São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 1995
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Natal feliz ou preocupante?

MAILSON DA NÓBREGA

A inflação mensal neste Natal vai ficar ao redor de 1%, muito parecida com a de dezembro do ano passado. Foi há 22 anos a última vez que tivemos dois dezembros seguidos de inflação nesse nível. Há muito que celebrar.
Esse desempenho tem, contudo, o seu custo. Neste feriado prolongado, muitas famílias estarão amargando as consequências do desemprego. Outras chorarão as perdas resultantes das falências de empresas e das intervenções em instituições financeiras. O risco ronda ainda muitos empreendimentos.
Neste Natal, ficou mais claro que o Plano Real está longe da consolidação. Os pessimistas voltam a prever um fim trágico sob as labaredas do déficit público, que botou de novo a cara de fora. Com uma regra de três frívola, prenunciam uma explosão das contas públicas no próximo ano. Mostrar-se-ão errados.
Em meio às vitórias do Plano Real, tornou-se consensual a visão sobre o que falta para a vitória definitiva contra a inflação: as reformas. Ainda não é ampla, todavia, a compreensão das dificuldades de fazê-las sob ambiente democrático, excessiva fragmentação partidária e baixa eficiência decisória do sistema político.
Não fossem suficientes essas dificuldades, o plano tem sofrido com os eventos na área política. Poucas vezes se viu um governo enfrentar dois escândalos (Sivam e grampo telefônico) e uma crise política (vazamento da chamada pasta cor-de-rosa) em menos de um mês.
São acontecimentos que desgastam. Atingem uma peça chave, o Banco Central. Podem influenciar negativamente as reformas, tornando mais distante a reconstrução do regime fiscal. Isso é ruim, pois o plano tem dependido mais do que deveria, da taxa de câmbio, da taxa de juros e das restrições ao crédito.
Qualquer analista da economia sabe que um programa de estabilização sem o lado fiscal dificilmente tem vida longa. A concentração de esforços em outros instrumentos permite controlar a inflação e garantir a saúde do balanço de pagamentos, mas produz efeitos colaterais que acabam por tornar a estratégia politicamente insustentável.
De fato, a mistura da política cambial com a abertura da economia tem preservado a competição e mantido os preços dos produtos expostos à concorrência internacional. A combinação de juros altos e restrições creditícias tem controlado a demanda e atraído capitais externos, evitando as pressões inflacionárias e a deterioração do balanço de pagamentos.
A consequência tem sido, contudo, mais falências e concordatas e tensões no sistema financeiro. O desemprego deve crescer. Tudo isso vai gerar pressões no empresariado, nos sindicatos e no Congresso para forçar o governo a abandonar a política econômica.
Não é fácil. Nunca, porém, foram tantas as chances de dar certo desde a eclosão da crise fiscal nos anos 70 e 80 e das fracassadas tentativas de estabilização que se seguiram. As reformas necessárias vão demorar, como se tem visto, mas a mudança fundamental já ocorreu: a da mentalidade.
Existe uma revolução ocorrendo em meio ao subdesenvolvimento político. Isso pode ser visto na força das novas idéias, no apoio da sociedade às reformas e no impressionante processo de modernização das empresas privadas, mesmo sem a redução do "custo Brasil".
No campo trabalhista, também há sinais dos novos tempos. Basta ver o acordo da Ford, que permitiu reduzir a produção para repô-la mais à frente sem alteração presente ou futura dos salários. Um marco.
Com o fim do processo hiperinflacionário no qual ingressamos em 1986, o avanço se tornou irreversível. A sociedade percebeu que a estabilidade da economia é um bem público a ser preservado. Defender o Plano Real é, assim, objetivo irrecusável.
Os empresários e trabalhadores têm razão em reclamar dos sacrifícios. São exagerados e em muitos casos seriam desnecessários se as reformas já tivessem sido realizadas. Constituiria um erro monumental, todavia, ceder às frases de efeito e conceder um "pouquinho de inflação" para "manter" o crescimento. Seria efêmero.
Apesar das dificuldades no front fiscal, tudo indica que há espaço para manter vivo o Plano Real à base de artifícios. Dá para ter paciência e esperar a restauração definitiva de todos os instrumentos. Malgrado os sustos e escândalos, o ambiente está mais para comemorações do que para preocupações, ainda que estas existam.

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