São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 1995
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As queixas do campo

LUÍS NASSIF

Provavelmente líder rural mais respeitado pela categoria, o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Pedro Camargo, não sabe mais o que fazer para alertar o país para a importância do setor.
Pessoa que tem posições bem mais arejadas do que a média da categoria para questões como a posse da terra, Camargo não consegue entender alguns dos paradoxos atuais.
O atual modelo econômico, com as taxas de juros praticadas ao longo dos últimos 18 meses, provavelmente produziu o maior e mais generalizado êxodo rural de que se tem notícia nos tempos modernos. No entanto, ignorou-se amplamente esses aspectos, para se concentrar exclusivamente na questão do assentamento dos sem-terra -que, se bem sucedido, provavelmente não irá repor nem um quarto dos empregos perdidos no campo.
Camargo julga que no cerne da questão está o fato de a agricultura não saber fazer lobby moderno -no sentido de apresentar informações e argumentos à opinião pública.
Na verdade, a agricultura não se deu conta de que um país moderno se formou sobre seus escombros. Conservou parte do velho poder político, pode parar rodovias com seus tratores, dispõe de uma bancada de deputados agressivos, consegue até ser recebida pelo presidente da República -mas não consegue articular um conjunto de propostas modernas nem convencer a opinião pública até sobre seus pleitos mais legítimos.
Qualquer demanda do setor é descartada liminarmente, sob o peso de velhos chavões -"todo agricultor é rico, caloteiro e chorão".
Parte dessa visão se deve ao profundo primarismo que marcou as discussões econômicas no último ano. Parte é culpa direta da belicosidade pouco prática das manifestações políticas do setor. E também das lembranças do velho modelo de crédito rural, hoje morto e enterrado, com toda sua dose de paternalismo e corrupção.
Trigo e algodão
Camargo concorda com a análise, mas julga que, independentemente da maior ou menor eficácia da ação política, há temas que, por sua importância, transcendem o setor.
Tome-se o caso da triticultura. No Brasil, a cultura de trigo sempre trabalhou no limite da competitividade. Qualquer desaforo do governo afetava o setor. O preço do trigo no pãozinho não passa de 7%. Mas, a pretexto de combater a inflação, destruíram o setor.
Resultado: com o Brasil fora do mercado, houve redução dos estoques internacionais. O Brasil produzia 6 milhões de toneladas. Passou a produzir 1,5 milhão, para um consumo de 7 milhões. A queda da produção brasileira repercutiu no mercado, e o preço do trigo saltou de US$ 140 para US$ 250 por tonelada. Sua importação vai custar mais de US$ 1 bilhão este ano.
No caso do algodão, a produção caiu pela metade, num processo profundamente concentrador de renda. Em São Paulo, diz Camargo, o grande produtor de Guaíra manteve sua produção. Quem saiu do mercado foram os pequenos produtores do Pontal do Paranapanema.
É necessário reverter esse jogo suicida. Da parte das lideranças rurais -e seus representantes políticos-, encontrando formas mais civilizadas de entrar no debate político, principalmente, dispondo de estatísticas e idéias modernas para abastecer a mídia.
Da parte da mídia, despindo-se de preconceitos e entendendo que a agricultura é uma atividade muito mais relevante do que a mera figura do grande agricultor.
Baixado o facho
Está na hora de os Magalhães -pai e filho- começarem a baixar o facho nessa briga com a Presidência. Apesar de seu decantado profissionalismo, a impulsividade vai produzir um novo terremoto sobre suas cabeças -similar ao que se seguiu à famosa passeata sobre o Planalto, no caso Econômico.

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