São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 1995
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Narcotráfico movimenta por ano um Brasil e meio

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

O tráfico de drogas movimenta, anualmente, um Brasil e meio, o que o transforma facilmente em um dos principais negócios do planeta.
O narcotráfico gira ao ano algo em torno de US$ 750 bilhões, conforme cálculos apresentados por organismos de combate ao tráfico durante o 9º Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção ao Crime Organizado (Cairo, Egito, abril deste ano).
É uma vez e meia, aproximadamente, o valor de todas as riquezas produzidas este ano pelo Brasil, ou seja, o seu PIB (Produto Interno Bruto).
Como a economia brasileira é considerada a 10ª do mundo, é lógico dar-se ao narcotráfico classificação ainda mais relevante.
É esse poder enorme que está na raiz das dificuldades para combater negócio tão lucrativo.
"Em mais cindo anos, vai ser impossível para os agentes da lei enfrentarem o crime organizado devido à enorme riqueza que vem sendo acumulada pelos narcotraficantes", chegou a prever Thomas Constantine, administrador da DEA (a agência norte-americana de combate às drogas).
Foi em fevereiro deste ano, em palestra durante o Forum Econômico Mundial, que se realiza anualmente na cidade suíça de Davos.
A sinistra previsão foi assim explicada pelo policial norte-americano: "Eles podem empregar os melhores advogados, corromper os agentes da lei e minar os governos por meio de campanhas de relações públicas".
A massa de dinheiro ligada ao narcotráfico decorre, diretamente, da ilegalidade de suas operações.
Conclusão óbvia quando se acompanha o que os economistas chamariam de valor agregado que se vai acrescentando à matéria-prima até que ela alcance o consumidor final.
No caso da cocaína, funciona assim:
A arroba (12,5 quilos) da folha de coca produzida no Peru (o maior produtor) custa US$ 14,50, preço pago pelo governo aos produtores para a fatia da matéria prima que será usada em produtos legais (medicamentos, chá etc).
Depois de quimicamente tratada, a cocaína passa a custar US$ 1 mil o quilo, em Bogotá, capital do principal centro de processamento, a Colômbia.
Colocada no porto de embarque para os grandes centros consumidores, o quilo pula para entre US$ 2 mil e US$ 2.500. Aumenta para de US$ 10 mil a US$ 12 mil nos países de trânsito (caso do Brasil, por exemplo).
Ao chegar ao maior centro consumidor, os Estados Unidos, o quilo da cocaína já está valendo entre US$ 18 mil e US$ 20 mil (mais ainda na Europa).
As contas foram feitas para a Folha pelo jornalista colombiano Fábio Castillo, especialista no assunto e autor de dois livros que o levaram a viver boa temporada no exílio, para não ser morto pelos cartéis.
O salto de US$ 14,5 a arroba para pelo menos US$ 18 mil o quilo "é o custo do risco da operação toda", diz Raymond Kendall, secretário-geral da Interpol, a polícia internacional.
Kendall faz uma comparação dramática para enfatizar o tamanho do negócio chamado narcotráfico:
"Todo o orçamento da Interpol, de US$ 30 milhões ao ano, equivale a apenas 2 toneladas de cocaína posta, por exemplo, em Chicago".
Só a Colômbia produz, anualmente, mil toneladas, ou seja, de valor 500 vezes maior do que todo o orçamento da Interpol. E é responsável por apenas 40% da cocaína comercializada no mundo.
É tanto o dinheiro movimentado pelo narcotráfico que Pablo Escobar, Jorge Luís Ochoa e os irmãos Orejuela entraram, em épocas diferentes, na lista dos 20 mais ricos do mundo elaborada anualmente pela revista norte-americana "Forbes".
Escobar e Ochoa pertenciam ao cartel de Medellin, desmontado há anos. Os Orejuela comandavam o cartel de Cali, desbaratado este ano.
Todos esses dados parecem dar razão à previsão apocalíptica feita, também no Forum Econômico Mundial de 1995, pelo ex-premiê sueco Carl Bildt:
"Ou dominamos o crime organizado ou ele nos dominará".

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