São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 1995
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o homem do pau-brasil

SÉRGIO DÁVILA

Por que brasileiros usam pinheiro e não pau-brasil como árvore de Natal?
Roldão de Siqueira Fontes - Influência do estrangeiro. Deveriam usar o pau-brasil, que é lindo, a única árvore do mundo que batizou um país.
Se alguém quiser ter um pau-brasil no quintal de casa, o que deve fazer?
Ana Cristina Siqueira Lima - Basta escrever ou ligar para a Fundação, que nós mandamos (r. Cruz e Souza, 65, apto. 101, Ipsep, CEP 51.190-110, Recife, tel. 081-339-1585). Se a pessoa mora numa cidade com aeroporto, fica até mais fácil. O custo operacional é R$ 1, mais o frete. Mandamos um saquinho com a muda, com 35 cm de comprimento. Temos um viveiro com quase 200 mil plantinhas.
E pega em qualquer lugar?
Ana - Apesar de ser original da Mata Atlântica, temos tido resultados bons até no Rio Grande do Sul. A árvore cresce cerca de 1 metro por ano e pode chegar a 30 metros de altura e 1 metro de diâmetro.
E dura?
Ana - É uma árvore milenar. Plantando hoje, deve durar mais que o mundo.
Por que Fundação Pau-Brasil, e não Fundação Ipê-Roxo ou Eucalipto?
Fontes - O pau-brasil me perseguiu a vida inteira. Sou um sertanejo, nasci no Alto Pajeú, na cidade de Flores (PE). No primário, ouvia a professora falar da planta, de sua importância, e ficava curioso. Nunca tinha visto um pé. E olha que eu conhecia o pau-ferro, o angico, a aroeira, não era um ignorante. Quando vim para Recife, me disseram que existia um pau-brasil no horto dos Dois Irmãos, aliás plantado por Getúlio Vargas. Fui até lá e vi uma planta mirrada, dentro de uma cerquinha, com as folhas cortadas. Não era possível! Essa era a árvore que batizou o país? Fui estudar mais e constatei que o pau-brasil estava extinto. E que ninguém ligava. Reverter sua extinção virou meu projeto de vida.
Ana - Eu digo a ele: se existir reencarnação, na outra geração o sr. cortou muito pau-brasil. É sina.
Fontes - Você sabe que, de 1500 a 1875, foram cortadas mais de 70 milhões de árvores de pau-brasil? Eram mais ou menos 186 mil por ano, quase 511 por dia. Por muito tempo, foi nossa principal fonte de renda, pagou a dívida externa.
Quanto restou?
Ana - De uma faixa de 180 quilômetros de largura, que ia do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Norte, restaram algumas dezenas de árvores nativas. As que existem hoje foram plantadas recentemente. Creio que é impossível achar uma árvore contemporânea ao Descobrimento. Seria maravilhoso, mas não teremos a satisfação de encontrar um amigo desses vivo.
Quanto foi plantado?
Ana - O professor Roldão é responsável, direta ou indiretamente, pelo plantio de 2,5 milhões de mudas no Brasil. Temos tudo comprovado, não é fanfarronice. Ele é conhecido como o Apóstolo do Pau-Brasil, apelido dado por Austregésilo de Athayde, saudoso presidente da Academia Brasileira de Letras.
Fontes - Minha meta é plantar uma árvore de pau-brasil em cada município brasileiro.
Olhe que são mais de 3.500...
Fontes - Eu chego lá. Antes de morrer, eu chego lá.
Por que o pau-brasil foi tão cobiçado ao longo do tempo?
Ana - Por causa do corante produzido a partir do caule. Daí vem o nome, brasil, de brasa, devido à cor vermelha. Por esse motivo, a árvore já era cultivada desde o século 9, no Extremo Oriente, e muito difundida na Europa. A nobreza européia vestia predominantemente o vermelho. Você pode imaginar a grata surpresa que os portugueses tiveram quando chegaram ao Brasil e viram que os índios se pintavam com esse corante. Até 1532, o pau-brasil foi o único produto exportado pela Colônia. Até sua madeira, de lei, era muito valorizada. Ela chega a durar centenas de anos e foi muito utilizada na confecção de navios. Até hoje existe a exploração dos poucos remanescentes de pau-brasil nativo. Os predadores a usam para a confecção de arco de violino. É que, quando um bastonete de pau-brasil está em ponto de aquecimento, quase de brasa, você consegue flexioná-lo de uma ponta a outra.
A Fundação tem ajuda de empresas?
Ana - Pouca. A Santa Marina, de vidros, nos ajudou muito. O restaurante Rubayiat, de São Paulo, também. E a multinacional Amway, que deu uma força grande neste ano, financeira e na distribuição de mudas.
E o governo?
Ana - Não ajuda. E ainda atrapalha. Vou dar um exemplo. Um dos sonhos do professor Roldão era fazer um bosque de pau-brasil no centro da rodovia 101, que liga as cidades do Cabo e Paulista, aqui em Pernambuco. São 50 quilômetros de estrada, com uma ilha central de 9 metros de largura. Iria ajudar o trânsito dos carros à noite, porque faria uma cortina natural para os faróis, e não custaria nenhum centavo ao DNER. Nós doaríamos 40 mil mudas, a mão-de-obra viria do projeto Chapéu de Palha, que aproveitava trabalhadores rurais na época da entressafra da cana-de-açúcar, e as usinas forneceriam as tortas de adubo orgânico. Era só autorizar. A burocracia venceu e nada foi feito. Isso aconteceu em 1989. Hoje, teríamos um bosque com 40 mil árvores de 5, 6 metros de altura.
O que a sra. achou da iniciativa do prefeito Paulo Maluf, de São Paulo, de plantar árvores nas ruas com cercas patrocinadas por empresas?
Ana - Nós até pensamos em entrar em contato com o Maluf, porque o pau-brasil funciona muito bem também em ruas. Precisa de irrigação e manutenção, é certo, e não cresce rápido como uma acácia, por exemplo, mas tem uma copa arredondada e muito bonita. Mas evitamos a aproximação por causa daquele "escândalo do pau-brasil".

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