São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 1995
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Músicos mortos são campeões de vendagem

MÔNICA MAIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Artistas mortos foram o fenônemo de vendas deste ano. Os Beatles, Elvis Presley, Marvin Gaye, Jimi Hendrix, Clara Nunes, Raul Seixas, entre outros, dividem o panteão dos mortos que vendem, num fenômeno que se tornou verdadeira mina de ouro no disputado mercado fonográfico nacional.
A fixação no passado conjugada com tecnologia opera milagres. Faz a voz de Freddie Mercury, morto há quatro anos, puxar vendas do novo disco do Queen.
A coletânea "The Very Best of Marvin Gaye" vendeu cinco milhões de discos no mundo, 21 mil deles, no Brasil. O vocalista morto do Queen garantiu a compra de 70 mil cópias do último CD do grupo, "Made in Heaven", lançado no Brasil há um mês.
"São pessoas que definiram caminhos na música pop'", afirma José Roberto Verta, gerente da BMG. A gravadora, com campeões como o Nirvana no catálogo, lançou este mês uma caixa do grupo com seis singles. Aposta em outra caixa com cinco CDs do Elvis dos anos 70.
A tendência traz desde Jim Morisson lendo poesias inéditas em "An American Prayer", lançado originalmente pelo The Doors, há 17 anos, até artistas nacionais como Orlando Silva e Clara Nunes.
As reencarnações fonográficas com materiais inéditos trouxeram, o maior fenômeno do gênero. Fez John Lennon cantar de novo com os Beatles em "Free as a Bird", no primeiro volume do álbum "Anthology". O CD com discursos e conversas de gravações, lançado junto com o documentário de TV, foi saudado como "a maior arrecadação do grupo". Garantiu dois discos de platina na Grã-Bretanha, e vendeu mais de 122 mil CDs no Brasil.
O "Made in Heaven", do Queen, é outro concorrente nas compras de fim de ano. "Esperamos chegar a 80 mil cópias até o final de dezembro", diz Agnes Brandão, gerente de Marketing Internacional da EMI.
O representante nacional na linhagem de grandes vendedores mortos é Clara Nunes. "Clara com Vida", lançado há quatro meses, vendeu 96 mil cópias. "São as músicas que Clara Nunes cantava, agora em dueto com Chico Buarque, Milton Nascimento e Nana Caymmi. Deve chegar a disco de ouro no final do mês", afirma Sonia Antunes, da gravadora EMI.
O garimpo de arquivos está também garantindo a preservação da memória da música brasileira. A BMG embarcou no sucesso da caixa com três CDs da restauração das gravações originais de Orlando Silva, lançado em julho, e que vendeu 15 mil exemplares: "Vamos seguir esta série lançando Luiz Gonzaga e Francisco Alves no mesmo formato", diz Marcelo Falcão, gerente da BMG.
O segredo deste sucesso é trazer a pré-MPB à vida. "A série reativa a música brasileira dos anos 30 e 40 na cabeça dos compositores. Tanto que Caetano Veloso inclui 'Lábios que Beijei' no seu último show", afirma Falcão.
Uma das precursoras dos sucessos nacionais foi Elis Regina, que morreu em 1982. "O Fino da Bossa", lançado em março de 94, vendeu até agora 30 mil caixas com três CDs.
Raul Seixas garantiu um disco de platina em 94 com "Maluco Beleza", sucesso que deve se repetir ainda que parcialmente com o lançamento este ano, pela Eldorado, de "Se o Rádio não Toca". "É um disco documental", diz a viúva Kika Seixas, que colocou no mercado este mês um livro de fotos e textos de Raul.
Às vezes os mortos ilustres não vendem muito, mas ocasionam revelações históricas. É o caso de "Noel Rosa - Inédito e Desconhecido". Lançado em novembro pela Eldorado, vendeu apenas 2.870 cópias, mas resgatou "Espera Mais um Ano", um samba sobre a rotina das repartições públicas da era Vargas, que levou 52 anos para ser descoberto.
Na versão original o compositor cantava em dueto com Arthur Costa. Noel Rosa não sustentava um ou dois agudos e deixou a música no baú da família. Agora a voz de Noel é fundida com a do vocalista Caola e o som do grupo Coisas Nossas.
Apesar do sucesso de vendagens de discos de artistas mortos, há quem faça restrições ao gênero. É o caso do produtor Liminha: "É uma tendência ligada ao crescimento de mercado de CDs. Tem custo zero de produção. Não tem que ir para estúdio."
Ele lembra que muitas vezes estes materiais são sobras que foram rejeitadas pelo artistas.
"Quem monta geralmente é do departamento internacional da gravadora. Não é o produtor, que faz coisas vivas. Isso está acontece também com os vivos. Descobriram um monte de coisas do Gil num arquivo da Polygram. Há coisas interessantes. Pode sair um disco muito bom ou muito ruim", diz Liminha.
"O Jimi Hendrix tem coisas assim. Não são as melhores porque são feitas sem a supervisão do artista. O trabalho mais interessante do Hendrix foi o que passou pelo crivo dele quando ele estava vivo", diz Liminha.

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