São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 1995
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Woody Allen descobre Machado de Assis

OTÁVIO DIAS
DE LONDRES

O cineasta norte-americano Woody Allen descobriu Machado de Assis. Ele revelou à Folha estar impressionado com o escritor brasileiro. "Ele é um escritor do século passado, mas extremamente moderno", disse Allen.
Aos 60 anos de idade e depois de três casamentos, Allen afirmou ainda não ter encontrado a mulher ideal.
"Há tantas nuances espirituais, intelectuais, culturais, sexuais, tantas complexidades. Encontrar a mulher perfeita é questão de boa sorte", diz.
Allen esteve em Londres na última quinta-feira para lançar seu novo filme, "Mighty Aphrodite" (sem previsão de estréia no Brasil). O filme gira em torno de temas como adoção, crises matrimoniais e relacionamentos extraconjugais. Ele nega, contudo, que o filme seja autobiográfico.
"As pessoas sempre acham que meus filmes são reflexo de minha vida particular. Isso ficou ainda pior depois que ela foi parar nas primeiras páginas dos jornais", afirmou ele.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
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Folha - Em seu novo filme, "Mighty Aphrodite", o sr. trata de temas como adoção e relacionamentos extraconjugais. O filme é uma reflexão sobre sua difícil separação de Mia Farrow?
Allen - As pessoas sempre acham que meus filmes são reflexo de minha vida. Isso ficou ainda pior depois que ela foi parar nas primeiras páginas dos jornais. Se eu dirijo um carro num filme, as pessoas pensam "ele também dirige carros na sua vida, isso é autobiográfico". Isto é absolutamente falso.
No caso específico desse filme, há alguns anos adotei uma menina. Quando olhei para ela, pensei "ela é tão bonita, tão doce, seus pais devem ser muito especiais". Pensei nisso por dez segundos e foi tudo.
Anos depois, resgatei essa idéia e fiz esse filme. A única similaridade é que eu tenho uma filha adotiva e o personagem também.
Folha - Em "Mighty Aphrodite", a história real passada em Nova York é comentada por um coro de tragédia grega, que, aos poucos, tenta interferir no curso dos acontecimentos. Como surgiu a idéia desse coro?
Allen - Tudo começou porque achei engraçado um pai adotivo ficar obcecado pela idéia de encontrar a mãe verdadeira de seu filho. Seu casamento não vai bem e, de repente, ele pensa "meu filho é tão bonito, ele deve ter uma mãe maravilhosa" e começa a fantasiar sobre isso.
Aí achei que seria superengraçado se ele descobrisse que ela é vulgar, faz filmes pornográficos, é realmente terrível. Então pensei "isso é uma tragédia grega" e criei o coro, que faz tudo para demovê-lo da idéia de seguir em frente. Esse filme é uma comédia no estilo de uma tragédia grega.
Folha - Você encontrou essa pessoa?
Allen - Tive sorte com relacionamentos. Minha relação com Louise, com quem me casei, foi muito boa e somos amigos até hoje. Com Dianne Keaton foi maravilhoso e mesmo com Mia Farrow houve muitas coisas positivas. Ela é uma mulher inteligente, bonita, fez grandes contribuições para meus filmes. Quando nos enfrentamos no tribunal, esqueci essas coisas. Mas acho que nunca encontrei uma pessoa com quem tudo se encaixasse. Há tantas nuances espirituais, intelectuais, culturais, sexuais, tantas complexidades, é muito difícil.
Folha - Nesse filme, como na maioria de seus trabalhos anteriores, a música é elemento importante. O que vem primeiro: a trilha sonora ou o roteiro?
Allen - Em geral, a música vem depois. A exceção foi "Manhattan". Ouvia George Gershwin e pensava "isto é tão bom para um filme". Comecei a imaginar cenas que correspondessem às músicas.
Normalmente, faço o filme e, durante a edição, escolho uma música. Às vezes é a canção certa, outras não, pode demorar de dez minutos a uma hora, mas é assim que funciona.
Folha - O sr. conhece música brasileira?
Allen - Gosto muito de Tom Jobim, mas, já que estamos falando de Brasil, recentemente fui apresentado a um escritor brasileiro, Machado de Assis, e fiquei muito impressionado com ele.
Folha - Por quê?
Allen - Ele é um autor do século passado, mas seus livros poderiam ter sido escritos neste ano. É perspicaz e espirituoso. É um escritor brilhante e moderno.
Folha - Que livros o sr. leu?
Allen - Li alguns, entre eles "Dom Casmurro".

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