São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 1995
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Boal fará 'Hamlet' na Royal Shakespeare Co.

O diretor também ensaia 'Ifigênia em Áulis', em Paris

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos poucos, Augusto Boal, a exemplo de Zé Celso, renasce.
Aos 64, o autor, diretor e líder do lendário Teatro de Arena, que marcou os anos 60, retorna ao palco. No dia 13 fevereiro, estréia em Paris "Ifigênia em Áulis", de Eurípides.
Vai abrir um teatro que leva seu nome na capital francesa, no número 78 da rue de Charolais, perto da Gare de Lyon.
E não é apenas em Paris que o criador do Teatro do Oprimido é bem recebido no exterior. Ele foi convidado para preparar "Hamlet", de Shakespeare, com os atores da Royal Shakespeare Co., em Londres, daqui a um ano.
A montagem prevê uma única apresentação, terminados os ensaios que vão recorrer, é claro, às técnicas do Teatro do Oprimido.
Tem mais. Em março, o autor e diretor participa do festival de artes de Hong Kong, onde também vai estar Antunes Filho.
E não faltam livros e novas peças, para apresentações políticas ligadas ao seu mandato de vereador pelo PT, no Rio. A seguir, em entrevista, ele relata os seus projetos de renascimento.

Realidade
No Brasil existem vários autores, diretores, muitíssimos atores, que estão se desenvolvendo, criando. Só lamento que exista um certo vazio naqueles setores que seriam os mais voltados para a realidade brasileira, que está precisando urgentemente aparecer mais nos palcos. O teatro brasileiro não está indo na direção de analisar o que está acontecendo no Brasil.
"Ifigênia em Áulis"
Comecei a ensaiar a peça de Eurípides durante o ano e vou terminar agora em janeiro, para o Centro Augusto Boal, em Paris. Todos os atores do elenco são franceses, menos um, brasileiro. Existe a possibilidade de trazer para o festival de Londrina do ano que vem. Se formos a Londrina, farei de tudo para apresentar a peça também em São Paulo e no Rio.
Hong Kong
No festival de Hong Kong eu vou fazer um trabalho com o Teatro do Oprimido. Alguns são atores, outros são mais ligados à política. Vai ser uma oficina com o tema da integração à China. O ano que vem é o último de Hong Kong como colônia britânica. O tema vai ser justamente de que forma as técnicas do Teatro do Oprimido podem ajudar na transição, na passagem de uma situação de colônia para uma situação de província.
"Hamlet"
Também vou trabalhar com a Royal Shakespeare Company, a grande companhia oficial inglesa. Vou trabalhar sobre o texto do "Hamlet" com os atores da Royal Shakespeare Company, em Londres, usando as técnicas do Teatro do Oprimido, principalmente as mais introspectivas. No final, faremos fazer um espetáculo público.
"Arco-Íris do Desejo"
Estou lançando três livros. "Arco-Íris do Desejo", com as técnicas psicoterapêuticas do Teatro do Oprimido, será lançado em janeiro pela Civilização Brasileira. Depois vou lançar "Teatro Legislativo" e um terceiro livro chamado "Aqui Ninguém É Burro", de crônicas.
Musicais
Como dramaturgo, só estou escrevendo peças pequenas. É bastante coisa, mas é aqui para nós, mesmo. No Brasil, em 96, vamos fazer um elenco permanente, que deve, durante o ano, apresentar vários espetáculos de Teatro do Oprimido, com a participação da platéia, sobre temas como a violência. Serão quatro temas extremamente importantes. Todos vão ser musicais, e vamos apresentar em toda parte, mostrando a situação do Rio e tentando soluções.
Apoio
Eu acompanho o teatro brasileiro, assim, de longe. O que eu acho lamentável é que antigamente o processo de apoio à cultura em geral e ao teatro em particular era feito segundo um programa anual. O grupo se programava para o ano inteiro, espetáculos, mesas-redondas, laboratórios, e em função desse trabalho as companhias recebiam a subvenção. O que acontece hoje é que as companhias não são mais subvencionadas por um programa, mas por um espetáculo.
Você não constrói mais grupos que vão trabalhar juntos ao longo do tempo. Você estréia uma peça e, no dia da estréia, já começa a contagem regressiva. Os atores começam a pensar: "O que é que eu vou fazer quando sair daqui?". Esse processo se aproxima do que acontece nos EUA, o que é desastroso. Os artistas sofrem. O que não impede que apareçam sempre espetáculos muito bons, com criatividade, mas sem a continuidade.

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