São Paulo, quarta-feira, 27 de dezembro de 1995
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'Pixote', de Babenco, é cada vez mais atual

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Pixote" (1981), de Hector Babenco, um dos poucos títulos brasileiros da videoteca básica de Marília Gabriela, é constantemente apontado por críticos e cineastas de todo o mundo como um dos filmes mais marcantes dos anos 80.
Inspirado no livro-reportagem "A Infância dos Mortos", de José Louzeiro, "Pixote" se equilibra de maneira notável na fina linha divisória entre o documento e o drama.
No que diz respeito ao drama, coloca em cena personagens complexos -não só o personagem-título, mas também seus companheiros de gangue e a prostituta com quem se associam (Marília Pera)- e não simples tipos ou estereótipos.
Trabalhando sobre um roteiro bem amarrado, escrito em parceria com Jorge Duran, Babenco confirma aqui seu domínio da narrativa robusta e sem firulas, que já demonstrara em "Lucio Flávio".
Um dos pontos altos de "Pixote" é o modo como descreve a vida selvagem e vertiginosa desses jovens que vivem para o agora por não terem nada a perder e nenhuma esperança de futuro.
Há inúmeros momentos antológicos no filme, mas o mais belo talvez seja aquele em que, nas rochas à beira do mar, um dos garotos canta "Força Estranha", de Caetano Veloso. Em sua voz, a poesia da canção ganha um sentido totalmente diverso e doloroso.
A verdadeira força do filme de Babenco reside talvez menos na "denúncia" social do que na expressão da alegria barata, da poesia baldia, da vida rude e fugaz desses meninos à margem.
Como em "Os Esquecidos", de Buñuel, filme que lhe é tão diferente em outros aspectos, o olhar de "Pixote" é implacável, isento de sentimentalismo, mas não de solidariedade e compaixão (no sentido mais amplo do termo).
Estamos longe, nos dois casos, do amoralismo cansado, imobilizador, quase cínico de um filme recente como "Kids".
Realizado há 15 anos, "Pixote" mostrou-se tristemente profético em mais de um sentido.
Primeiro, porque o garoto pobre que o protagonizou, Fernando Ramos da Silva, foi morto como marginal por policiais militares poucos anos depois.
O episódio, aliás, inspirou o filme "Quem Matou Pixote?", que está sendo rodado pelo cineasta José Joffily.
Mas "Pixote" foi profético também num sentido mais geral: de sua época para cá a tragédia dos meninos de rua e da violência juvenil só fez aumentar.

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