São Paulo, quarta-feira, 27 de dezembro de 1995
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Mickey na Amazônia

ANTONIO CARLOS DE FARIA

RIO DE JANEIRO - O cenário é um hotel na selva. Numa varanda sobre um dos lagos formados pelo rio Amazonas, sete turistas europeus e um brasileiro discutiam os problemas e a beleza da região.
O assunto surgiu de uma reportagem de jornal, que mostra que só em Rondônia ocorreram cerca de 400 queimadas por dia, em agosto passado.
Nenhum deles é uma autoridade que tenha o poder de determinar políticas para seus países, mas naquela assembléia espontânea, em volta de uma mesa de café, expressaram sua percepção sobre o mundo atual.
Um espanhol diz sem meias palavras que a floresta é patrimônio mundial e que as outras nações não podem ficar de braços cruzados vendo sua destruição. Ele conta que visitou Rondônia e ficou espantado com as nuvens de fumaça que quase impediram o pouso em Porto Velho.
O brasileiro argumentou que a área devastada ainda é pequena diante do tamanho da Amazônia, o espanhol rebateu dizendo que não acredita nas estimativas oficiais e sim nos seus olhos.
Um alemão interveio e disse que a situação da devastação da Amazônia era tão inadmissível quanto os testes nucleares da França no oceano Pacífico. Se há boicote aos produtos franceses, deveria haver aos do Brasil, afirmou.
O brasileiro lembrou que a participação do seu país no comércio mundial é quase inexpressiva e um boicote só poderia agravar a situação de pobreza. Todos concordaram, mas deixaram claro que apoiariam medidas de intervenção internacional para preservar a floresta, caso os brasileiros se mostrem dispostos a continuar com a devastação.
O brasileiro tomou o resto do seu café. Pensou em falar sobre os desastres ambientais patrocinados pelos europeus nos seus países e nas ex-colônias, mas concluiu em silêncio que os erros alheios não justificam os próprios.
Pensou também no motivo de ser minoria naquela pequena reunião das nações unidas. Além dele, só os empregados do hotel eram brasileiros. Os donos são suíços.
Um dos recepcionistas logo resumiu a situação. Para ele, os brasileiros estão mais interessados em visitar Mickey Mouse na Flórida.

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