São Paulo, sábado, 30 de dezembro de 1995
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Guerras e loucura perseguem Joseph Heller

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

As guerras, e assim como a loucura, parecem perseguir de forma incansável o escritor americano Joseph Heller.
Seu mais conhecido romance nasceu de sua visão da Segunda Guerra Mundial, e teve seu sucesso creditado ao conflito entre os EUA e Vietnã nos anos 60, insinuando que, além da indústria bélica, também um romancista poderia lucrar com batalhas mundiais.
Quando "Ardil 22" foi publicado em 1955, chegava com atraso em relação à geração dos escritores machos e brancos que se mostraram para a literatura do país com memórias sobre a Europa, Hitler e as bombas V-2. Entre eles, Norman Mailer de "Os Nus e Os Mortos" e o romance "A Um Passo da Eternidade", de James Jones.
Heller, ao contrário destes, não via guerra como drama, mas testemunhava que toda a organização e ordem de um combate só poderiam ser fruto da loucura.
Uma "lógica louca" que os hippies descobriram em seu trabalho ser o mais fiel retrato do que acontecia no Vietnã, e que transformou o livro em um best seller mundial, sendo filmado pelo diretor Mike Nichols em 1970.
Uma descoberta que fez também de Yossarian, seu principal personagem, o paradigma do rebelde que recusa a batalha não em nome da honra. Mas de sua própria salvação.
Heller, 72, esperou mais de 30 anos para reencontrar Yossarian em "A Hora Final", romance que retoma os personagens de seu primeiro livro, lançado no Brasil no último mês, ao lado de "Ardil 22", pela editora Record.
Obras que resumem em quase 900 páginas a loucura do capitalismo, das corporações e da literatura da América. Algo que Joseph Heller, de forma muito bem humorada, afirmou em entrevista à Folha por telefone de sua casa em East Hampton, Nova York.
*
Folha - No livro de ensaios e poemas "Canibais e Cristãos", Norman Mailer disse que "Ardil 22" era o rock and roll da literatura. O que sr. acha que ele diria de "A Hora Final?"
Joseph Heller - Na verdade acho que ele não diria nada (risos). Até onde soube ele na verdade não disse nada sobre "A Hora Final". Esse "pronunciamento" de Mailer se referia ao que ele pensava ser a "força inovadora" de "Ardil 22".
"Ardil 22" e "A Hora Final" são trabalhos próximos. Eu diria que "Ardil" pode ser visto como um romance de entretenimento, ainda que um entretenimento mais "sério", enquanto a "A Hora Final" tem mais força que meu primeiro livro, da mesma maneira que hoje há mais rock and roll em todos tipos de música (risos).
Folha - Nos dois livros o sr. continua entendendo o governo americano como uma grande corporação. Antes era o exército em "Ardil 22", e passa a ser a própria presidência dos EUA em "A Hora Final".
Heller - Absolutamente correto. Em meu primeiro livro usava o exército como uma metáfora da sociedade americana das grandes corporações. Mas acho que em "A Hora Final", apesar do retorno de algumas dessas idéias, não se refere apenas à sociedade americana. Penso que o livro é algo mais geral. Um retrato de qualquer sociedade do mundo no fim-de-século.
Folha - Mas o sr. acredita que a sociedade americana pode estar mais doente hoje do que período de "Ardil 22".
Heller - Acho que ela está mais fraca, como nos é mostrado nos jornais todos os dias. E parece que nada pode ser feito quanto a isso.
Folha - E a literatura em seu país está se encontra no mesmo estado?
Heller - A literatura americana se encontra hoje mais forte do que nunca. Existem excelentes novos autores. O que houve foi uma mudança econômica. Uma predominância de uma literatura mais popular. Escritores de uma literatura mais séria, como Norman Mailer e Willian Styron (autor de "A Escolha de Sofia") possuem hoje menos prestígio em relação ao que tinham antes. Essa foi a mudança mais séria em nossa literatura.
Folha - O sr. faz parte de uma geração de romances de guerra, da Segunda Guerra, como o grande "caso" da América daquele tempo. Hoje os novos escritores tentam dar conta de quais problemas?
Heller -Os escritores hoje trabalham sobre um imenso número de temas, escrevem sobre as experiências pessoais que fazem de cada um escritor. Existem romances sobre o amor ou a comunidade acadêmica, porque vários escritores se originaram desse meio. Há um número imenso de pontos de vista sobre tudo. E a nossa guerra mais recente é o Vietnã, que originou também excelentes obras.
Folha - E sobre a organização que leva à loucura, presente de forma intensa nos dois livros?
Heller - Os acontecimentos de meus livros estão na verdade presentes na minha vida, na sua vida e na vida de todos. Nada é tão fantástico nesse final de século que possa ser inacreditável. Nos temos aqui um congressista, Newt Gingrich, que foi capaz de parar as votações no Congresso apenas por achar que o presidente dos EUA lhe devia desculpas. Tudo é realmente mais fantástico do que em "Ardil 22" e "A Hora Final".
Folha - O sr. ainda se encontra com seus companheiros de geração, como Mailer e Styron?
Heller - Não, eu nunca vejo os dois. Eles mesmos nunca se encontram. Essa mesma geração nunca se encontra. E o principal motivo é que nós não devemos fazer isso, porque somos rivais. Nós competimos pela atenção do público. Essa é primeira razão. A segunda vou lhe contar agora: não gostamos dos últimos romances publicados uns dos outros. Não temos nada para dizer entre nós.

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