São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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Torcida surpreende musa "importada" da natação

ANDRÉ FONTENELLE
DA REPORTAGEM LOCAL

Gabrielle Rose, 18, desceu do avião, em Cumbica, às 8h de quinta-feira. Às 9h, já estava na piscina do Corinthians, disputando a eliminatória dos 200 m livre do Troféu Brasil de natação.
Nos últimos anos, a vida de Gabrielle, 1,72 m e 65 kg, tem sido assim: dividida entre o Brasil, país pelo qual compete, e Memphis, nos Estados Unidos, onde sempre viveu.
Filha de pai norte-americano e mãe brasileira, Gabrielle é, hoje, o maior nome da natação brasileira. Já conseguiu índice olímpico nos 100 m borboleta e nos 200 m medley (quatro estilos).
Gabrielle começou na natação aos 4 anos, imitando o irmão Matthew, três anos mais velho. "Ele era meu ídolo. Perguntei a mamãe se podia nadar, fui bem e gostei de competir", lembra.
Hoje, ela chegou a um nível mais alto que o irmão, que, na adolescência, trocou um pouco a natação pelas namoradas. Matthew compete agora em provas universitárias nos EUA.
Aos 12 anos, Gabrielle assistiu com a família a um Troféu Brasil de natação e acabou ganhando uma chance no Flamengo. Hoje, compete pelo Pinheiros, de São Paulo.
A nadadora estuda psicologia e inglês no Rhodes College, no Tennessee (EUA).
Gabrielle sempre veio ao Brasil com os pais, nas férias, mas seu português é apenas razoável.
Isso se deve, talvez, a um trauma de infância: ela falava português com a mãe e o irmão, mas as gozações dos colegas de escola nos EUA a fizeram praticamente abandonar o idioma.
Ainda hoje, a nadadora é menos tímida quando fala em inglês, como nesta entrevista à Folha.
*
Folha - Como está seu português?
Gabrielle Rose - Eu entendo bastante bem, mas fico meio tímida para falar. Tenho um sotaque horrível. Por isso, não falo muito.
Folha - Qual é a sensação de competir no Brasil?
Rose - Ainda estou um pouco fora. O Campeonato Mundial (em piscina de 25 m, no Rio, em dezembro) foi incrível.
Adorei a torcida. Foi uma experiência muito diferente.
Folha - A natação brasileira é muito diferente da dos EUA?
Rose - Nem tanto... sim, é diferente para mim. A torcida é muito mais entusiástica. As equipes também.
Folha - Como você se especializou nas suas provas atuais?
Rose - Eu costumava fazer nado de peito. Não gosto mais.
Comecei a treinar outros estilos e, no fim, meu nado borboleta era bem razoável. Trabalhei-o mais. Já meu nado de costas é muito fraco. Tenho três bons estilos em quatro. Por isso, também nado medley (prova com os quatro estilos: livre, costas, peito e borboleta).
Folha - Qual é seu objetivo na Olimpíada de 96?
Rose - Chegar à final "A" e melhorar meus recordes pessoais.
Folha - Não vai ser estranho disputar uma Olimpíada em seu país representando outro país?
Rose - Não acho que vá ser tão estranho. O país onde os Jogos estão sendo realizados é importante, mas, na Olimpíada, o clima é tão internacional que não acho que isso faça diferença.
Folha - Como você analisa as suas adversárias?
Rose - As australianas foram muito bem no Mundial e têm excelentes nadadoras de quatro estilos. As chinesas são imprevisíveis. As européias também sempre têm gente boa.
Folha - Tem uma prova mais forte, entre os 100 m, borboleta, e os 200 m, quatro estilos?
Rose - Não. Meu nado borboleta é tão bom quanto o medley. Talvez eu tenha mais chance no medley. De qualquer maneira, quanto mais eu trabalhar o nado borboleta, melhor será para o meu medley. No nado borboleta, você tem que ser muito forte. É preciso muito treinamento especializado.
Mas, se eu me dedicasse só a ele, meu medley pioraria.
Folha - Como será seu treinamento? Pretende disputar o Sul-Americano, em março, em Porto Alegre, ou a competição cai em um período ruim?
Rose - Vou começar com um treinamento forte com pesos. Quero ter uma base forte cedo na temporada. Se eu me classificar, talvez dispute o Sul-Americano. Mas ainda não sei qual vai ser meu calendário. O Sul-Americano é em um bom período, mas ainda não sei se vou estar na equipe.
Folha - Quanto você treina por dia?
Rose - De cinco a seis horas por dia. No resto do meu tempo, estudo. Neste semestre, não sei o que vou estudar.
Folha - O que você ainda tem que melhorar?
Rose - Tenho que melhorar a segunda parte do meu medley. Ser capaz de fazer os 50 metros finais com mais força no nado livre. E meu nado de costas ainda é irregular. Tem de ser muito trabalhado.
Folha - E quais são suas maiores qualidades?
Rose - Minha melhor parte são o nado borboleta e as viradas.
E posso fazer os quatro estilos "ok". Isso contribui para um bom medley.
Folha - Os métodos de treinamento são diferentes nos EUA e no Brasil?
Rose - Acho que sim, mas não posso realmente dizer, porque nunca treinei aqui por um período longo. Eu teria que ficar aqui uma boa parte da temporada para falar.
Folha - Quando você chegou ao Brasil para competir, houve quem a visse como uma intrusa?
Rose - É nesse ponto que, geralmente, há um choque de culturas. Tenho certeza de que algumas pessoas falaram, mas não me importei. Nunca tive que lidar com esse problema.
Folha - O que a surpreendeu mais no Brasil?
Rose - Foi a torcida, no Mundial. Milhares de pessoas gritando, torcendo. Nunca poderia imaginar isso na natação. Em um jogo de futebol, sim. Mas nunca em um torneio de natação. Foi ótimo. Nos EUA, nunca seria assim. É uma experiência única na vida.

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