São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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O reino animalzinho

DALMO MAGNO DEFENSOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

No final de novembro, o Robô, personagem de quadrinhos publicados na Ilustrada, foi acometido de "gracinhofobia" -aversão patológica a tudo o que é engraçadinho, não no sentido cômico, mas no de fofo, adorável.
São engraçadinhas as estrelinhas sorridentes, florzinhas dançantes, fadinhas, duendes e, principalmente, bichinhos encantadores dos desenhos animados, como o Piu-Piu ("Acho que vi um gatinho..."), eterno candidato a refeição do gato Frajola.
Fugindo das gracinhas, que lhe causam náuseas, Robô pede emprego nos sóbrios quadrinhos do Príncipe Valente, mas é rejeitado por ser anacrônico.
Só e desesperançado, acaba na sarjeta, onde vive até descobrir um grupo de ajuda para gracinhófobos.
Na reunião do grupo, Robô tem um exemplo de força de vontade. Vestindo uma camiseta com a estampa de um gatinho segurando uma florzinha, tendo na barriguinha o desenho de um coração, um homem revela que: "Há 48 dias, eu não teria conseguido usar esta camiseta" (aplausos entusiasmados).
Robô recupera-se tão completamente que passa a gostar de coisas engraçadinhas, e retorna a seus quadrinhos trazendo um novo personagem, chamado "Gigi, o Ursinho Feliz".
Bonzinho até a medula, Gigi tem compulsão a ajudar e ensinar atalhos para a felicidade: é um chato de galochas.
Ganha a definitiva implicância do Robô ao pretender pendurar, na parede, um quadro que tem "um patinho de chapéu, beijando um cachorrinho de óculos, beijando um bebê".
Gigi é daqueles ursinhos que tem cada célula projetada para enternecer, como o Puff, da Disney, e Misha, símbolo da Olimpíada de Moscou.
Todavia, os melhores da categoria, imbatíveis em generosidade e teor de açúcar, são os Ursinhos Carinhosos: perto deles, os Smurfs e o fantasma Gasparzinho parecem frios e antipáticos.
Em outro grupo de mamíferos, temos a célebre manteiga-derretida Topo Giggio. O ratinho cativou a nação dos anos 70 ao manter, com o comediante Agildo Ribeiro, diálogos mais melosos que as entrevistas do Faustão com atrizes da Globo.
Sinal dos tempos, talvez, um recente engraçadinho de sucesso fugia ao padrão de aparência e caráter. Feinho, com voz esganiçada, ranheta e mal-educado, o Baby, filho caçula da "Família Dinossauro", virou mania nacional há três anos.
Lembro-me de que, no início da "febre", mocinhas abastadas andavam pelos shoppings abraçadas a bonecos do Baby.
A bem da verdade, era menos uma prova de sensibilidade do que de status: como o Baby só era vendido nos EUA, tornou-se por aqui um atestado de viagem ao exterior -função atualmente exercida pelas camisetas do Hard Rock Cafe.
Em pouco tempo, porém, a indústria nacional acabou com a ostentação, abarrotando o mercado com produtos do Baby: bonecos, álbuns de colorir, figurinhas e -como esquecer?- lindos adesivos para carros, com o dinossaurinho berrando "Não é a mamãe!".
Aproveitando a onda, a Globo promoveu a "Família Dinossauro", passando a exibi-la entre "Os Trapalhões" e o "Fantástico". Infelizmente havia poucos episódios, e o público logo ficou por aqui com os répteis; Baby foi do pára-brisa para o lixo.
Até aqui falou-se muito de bichinhos, mas o maior manancial de personagens engraçadinhos continua sendo a velha e boa espécie humana: não há ser vivo mais adorável do que a professora Helena, da novela "Carrossel".
Generosa, compreensiva, gentil, conciliadora, verdadeiro catálogo de virtudes, Helena é o sonho dourado dos pais e da Secretaria da Educação.

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