São Paulo, quinta-feira, 2 de fevereiro de 1995
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Carta aberta ao presidente

PAULO PEREIRA DA SILVA

Senhor presidente: começo a me decepcionar com o senhor e acredito que meu sentimento expressa o de grande parte dos milhares de trabalhadores que represento. Uma pesquisa do Datafolha confirma agora —e isto é chocante— que metade dos que tinham enorme expectativa quanto ao seu governo agora já não acredita tanto nele e até acham que a inflação pode voltar.
A pesquisa, senhor presidente, reflete o que nós, sindicalistas, temos ouvido nas ruas e infelizmente não temos conseguido dizer ao senhor, que se isolou em dois palácios, o do Planalto e o da Alvorada, nos quais só tem ouvido políticos, artistas e amigos intelectuais.
Estas pessoas que o senhor tem ouvido são importantes, mas será que o senhor não deveria ouvir também os representantes diretos dos que produzem as riquezas do país? Eu me lembro que, durante a campanha, o senhor disse que governaria para eles.
A maior parte destas pessoas acreditou que o senhor vinha para mudar o Brasil de verdade. Sabemos que 30 dias de governo é muito pouco para fazer alguma coisa importante, mas o preocupante, senhor presidente, é que o senhor e seu pessoal estão fazendo reuniões demais e trabalhando de menos.
Se o senhor me permite, vou fazer uma crítica forte. É que, se o senhor não fala, não dá o norte, não se pronuncia, fica difícil saber se o senhor está mesmo governando.
Até agora não sabemos se o senhor vai vetar ou não o ridículo salário mínimo de R$ 100; se vai vetar ou não a anistia ao senador Humberto Lucena; se considera a proibição de uso de carros oficiais por ministros e altos funcionários um "excesso de moralismo do governo Collor"; se acha justo o aumento dos salários dos políticos e do seu próprio; se as privatizações devem continuar no mesmo ritmo ou parar; se a gula fisiológica dos políticos deve ser atendida em troca de votos e tantas coisas mais.
Senhor presidente, sei que o senhor tem um porta-voz e não deve se envolver, todos os dias, com a terrível rotina dos atos governamentais. Mas, sendo o senhor sociólogo, aquele que estuda a sociedade, não lhe parece que seu governo está meio longe do povo e se desgastando por causa de coisas pequenas demais?
Fico pensando quando chegar a hora de discutir as coisas grandes... Será que o Brasil aguenta? Na minha modesta opinião —e o senhor vai permitir que eu a expresse, pois vivemos nesta democracia que o senhor mesmo ajudou a construir—, o sociólogo-presidente deveria ouvir mais o povo.
Os trabalhadores com os quais convivo todos os dias, senhor presidente, continuam acreditando no Plano Real, que baixou a inflação. Mas eles temem que ela volte. É para ela não voltar —o senhor sabe tanto quanto nós— que precisamos fazer as tais reformas estruturais; do Estado, do sistema tributário e fiscal, da Previdência, da Justiça, do sistema eleitoral, da economia.
Tanto o sr. quanto nós sabemos muito bem o que isso significa. A Força Sindical, à qual o Sindicato que presido está filiada, dedicou-se durante mais de dois anos a elaborar uma proposta de um novo modelo de desenvolvimento econômico, político e social para nosso país, o "Projeto Brasil".
O senhor recebeu uma cópia deste documento, de quase 700 páginas, antes de ele ser publicado. O senhor deve se lembrar inclusive que teve a oportunidade de dar opiniões e enriquecê-lo com propostas. Ficamos muito felizes quando, durante sua campanha, seu programa de governo incorporou importantes propostas de nossa central. Pela primeira vez um candidato a presidente assinava idéias desenvolvidas, com muito esforço e com justo orgulho, por iniciativa dos trabalhadores.
Agora que o senhor foi eleito, já estamos sendo avisados, por seus ministros e pelos jornais, que algumas daquelas propostas mudaram. Elas agora podem até romper contratos e ferir direitos adquiridos pelos cidadãos. O senhor nos desculpe, senhor presidente, mas será que, depois de tantas reuniões, ainda vamos ser surpreendidos por um calote? Por favor, não faça isso com o seu povo. Vamos conversar antes. Quem sabe a gente não chega a um acordo?
O presidente da nossa central, Luiz Antônio de Medeiros, sempre dialogou com todos os presidentes da República que o antecederam: Sarney, Collor e Itamar. Na semana passada um ministro seu, o do Trabalho, visitou a Força Sindical e ouviu de Medeiros que o governo jamais terá de nós adesão fisiológica ou oposição radical e insensata. Pode ter, sim, o apoio firme para as grandes reformas estruturais, a crítica profunda e leal quando houver divergências, e a serena disposição para o diálogo, que pacifica e constrói.
Talvez o senhor considere que para fazer as reformas estruturais basta o apoio dos políticos, pois são eles que votam. Não se iluda, senhor presidente. Recorra à sociologia (e acrescente aí um pouco também de psicologia e ciência política) e o senhor descobrirá que os políticos não funcionam sem a pressão da sociedade. O fracasso da revisão constitucional, no ano passado, e o preocupante resultado das reuniões do governo com os políticos mostram que não será fácil fazer as reformas.
Senhor presidente, como um grande estadista, ouça os políticos e os intelectuais, e também os empresários, mas, por favor, saia do seu palácio, ande pelas ruas e fale com os trabalhadores. Se o senhor acha que o protocolo não permite que o presidente fique aí andando pelas ruas, não tem problema: abra as portas do seu palácio para o povo que teremos o maior prazer em ir até aí para conversar. O Brasil pode ganhar com isso.

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