São Paulo, sexta-feira, 3 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Tempestade em copo d'água

JOSÉ SARNEY

A crise mexicana extrapolou, como era previsível, os limites do México, para mostrar o perigo coletivo que existe subjacente em uma economia globalizada. Qualquer abalo, em qualquer lugar, não fica restrito à área onde aconteceu, mas se estende ao todo.
A coisa começou, a meu ver, com Chiapas, depois veio o tiro que matou o candidato a presidente da República, Colossio. O modelo mexicano era tido como o mais bem-sucedido da América Latina, avalizado pelos Estados Unidos. Bush chegou a sonhar com um mercado livre desde o Alasca até a Patagônia, tal o sucesso, a solidez, do modelo mexicano.
Os primeiros extintores usados para apagar o fogo mexicano não funcionaram. A crise aumentava, aumentavam os riscos de liquidez. As economias latino-americanas davam sinais de contorsão. A Espanha sentia o reflexo. A Europa, com um sistema mais poderoso e mais longe do incêndio, tinha maiores defesas e imunidades.
No mundo financeiro internacional gira uma moeda escritural, avaliada, uns dizem dez, outros vinte vezes o valor patrimonial que ela representa. Uma corrida em grandes proporções, contagiando esse gigantesco mercado, afeta a segurança econômica mundial.
A situação foi considerada tão preocupante que o presidente Clinton usou de poderes excepcionais só justificáveis em momentos de grandes ameaças, como ocorreu nos tempos do Vietnã e da Coréi,a e rasgando a madrugada, com a presença dos líderes republicanos e democratas e seus assessores mais qualificados, autorizou uma ajuda que no Brasil chamaríamos Jumbo, de mais de 30 bilhões de dólares e convocou o Bird e o FMI para participarem.
Independentemente disso tudo, acho que o Brasil tem a obrigação de colaborar com o México. Quando presidente, em situações bem menos graves, autorizei ajudas dessa natureza ou de outra à Argentina, Bolívia, Nicarágua e Cuba.
Não se trata de empréstimo. É apenas uma mudança de contas em nossas reservas, com as mesmas garantias e os mesmos juros. Um país como o Brasil, que colocou em sua Constituição, entre seus Princípios Fundamentais, no artigo 4º, item X, parágrafo único, que "o Brasil buscará a integração, econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade de nações", não pode deixar de participar, de colaborar com o México num momento de dificuldades.
Até mesmo porque estaremos, também, defendendo nossos interesses, à medida que a crise mexicana pode afetar a estabilização da economia brasileira que estamos conseguindo com tanto apoio e esperança do povo.
O presidente Fernando Henrique, se não o fizesse, estaria violando a Constituição, na sua parte mais importante que é a que fala dos princípios fundamentais.
Não vejo, portanto, nada para tanta celeuma, por uma coisa óbvia, obrigação do país, de seu prestígio e de sua responsabilidade como o grande país que é da América Latina. É uma tempestade em copo d'água.

Texto Anterior: Só um imbecil gosta do mínimo
Próximo Texto: A FHC; O QUE É O VIETNÃ; RELANÇAMENTO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.