São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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O mágico de Montes Claros

ANTONIO CANDIDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Darcy Ribeiro é um dos maiores intelectuais que o Brasil já teve. Não apenas pela alta qualidade do seu trabalho e da sua produção de antropólogo, de educador e de escritor, mas também pela incrível capacidade de viver muitas vidas numa só, enquanto a maioria de nós mal consegue viver uma.
Como um furacão mental, ele passa pelo Brasil e pela América Latina, fundando ou reformando universidades (uma vida), devassando o universo das culturas indígenas (outra vida), militando politicamente com denodo reformador (terceira vida), assumindo cargos públicos com mente inovadora (ainda outra), produzindo ensaios e estudos da maior originalidade (esta seria a quinta), revelando-se romancista de primeira ordem (sexta, se quiserem).
Desde os trabalhos de campo com Berta Ribeiro sobre os índios kadiwéu até a invenção dos Cieps e do sambódromo, há portanto vários Darcys transbordantes de vitalidade e energia criadora, ligados por uma extraordinária capacidade de ousar e imaginar. A este respeito, lembro um caso de valor simbólico: quando era menino, ele teve a idéia de embelezar e dar um toque de raridade à irmã Água, despejando alguns frascos de azul de metileno no reservatório da sua cidade de Montes Claros, cuja população talvez tenha tido naquele dia problemas de abastecimento, mas, em compensação, viu o mundo jorrar colorido das torneiras...
Como crítico literário, quero destacar a sua produção narrativa, da qual é amostra notável o romance "Maíra", ficção em três planos: o dos deuses, o dos índios, o dos brancos, distintos mas não obstante fundidos pela força da concepção. E como pessoalmente quero muito bem a Darcy, é fácil para mim somar o afeto à reverência, para dizer que é dos brasileiros que mais admiro e que mais honram este país que ele sabe desvendar e modificar como ninguém.

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