São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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"Sempre se deve ter três namoradas"

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA REVISTA DA FOLHA

Darcy Ribeiro fala a seguir sobre o exílio, Glauber Rocha, o governo FHC e sua movimentada vida afetiva.
(MAG)
Folha - A seguir o sr. foi ser ministro da Educação.
Darcy - Fui, a convite do Jango. E depois fui ser chefe da Casa Civil. Fiquei à frente da campanha pelas reformas de base.
Folha - Qual a sua impressão sobre o Jango?
Darcy - Era um homem curioso, um fazendeiro muito eficiente. Quando foi para a presidência, tinha muitas fazendas, engordava 20 mil cabeças de gado por ano. Mas era um homem generoso, preocupado com a pobreza. Era um homem simples, nacionalista, muito predisposto a atos de coragem para passar o Brasil a limpo.
Jango não foi derrubado por seus defeitos, mas por suas qualidades, que a direita não podia admitir. Os projetos de reforma agrária e da lei de controle do capital estrangeiro provocaram sua queda. Eu achava que ele deveria se defender do golpe. Quando os militares, em Minas, se levantaram contra o governo federal, eu sugeri que Jango enviasse aviões só para para "lamber" a tropa. Eles recuariam. Mas ele temia que isso se transformasse numa luta fratricida. Não queria dar ordem de fogo. Achava melhor cair do que desencadear uma guerra civil. Não quis topar a briga e a direita o pôs para fora. Não poderia imaginar que o resultado fosse o que foi.
Folha - Para onde o sr. foi depois do golpe?
Darcy - Para o Uruguai. Fui contratado para trabalhar. Fui inicialmente professor de antropologia e depois passei a coordenar a reforma da Universidade do Uruguai. Passei a viver no mundo como professor de antropologia e especialista em universidades. O exílio foi para mim muito fecundo. Publiquei uma obra copiosa. Voltei ao meu veio de romancista com "Maíra", que foi uma forma de fugir do exílio e voltar aos índios.
Folha - E a produção teórica?
Darcy - Completei, em 68, um livro sobre o Brasil, chamado "Os Brasileiros". Quando terminei vi que não valia a pena publicá-lo, por não ter nenhuma novidade. O que estava ali era sabido: que o Brasil não era explicável, por faltar uma teoria para explicar o Brasil. Os EUA não precisam disso, eles podem tomar as teorias européias para explicar o passado deles. Mas aqui a coisa foi diferente.
Escrevi "O Processo Civilizatório", que é uma teoria sobre os dez mil anos de história. Foi publicado em muitos lugares. Mas ele fala do Brasil muito genericamente. Eu precisava de uma história de prazo médio.
Fiz, a seguir, "As Américas e a Civilização", no qual eu me pergunto sobre as causas do desenvolvimento desigual. Por que os Estados Unidos, que eram pobres, se desenvolveram brilhantemente? Por que Brasil e Haiti, que eram a riqueza, caíram na pobreza?
Faltava para o Brasil uma teoria das classes sociais. Evidentemente aqui não havia uma aristocracia brigando com a burguesia e as duas brigando com o proletariado, grávido de uma revolução. Eu mostrei que as classes no Brasil eram totalmente diferentes. Minha angústia recente era justamente a de completar essa copiosa teoria de 2.000 páginas e 98 edições sobre as Américas. Por isso fugi do hospital. Afinal, fiz tudo aquilo para compreender o povo brasileiro e precisava acabar o trabalho. Fiquei ocupado com tantas coisas, que adiei a tarefa.
Mas agora estou acabando. É "O Povo Brasileiro", este livro que explica a criação de um gênero novo no Brasil. Alguns soldados latinos foram à Gália e latinizaram a Gália, fazendo dela a França; alguns soldados latinos foram à Ibéria e, milagrosamente, converteram os pré-lusitanos nos portugueses e espanhóis. Essa latinidade descansou 1.500 anos lá, saltou o oceano e veio nos latinizar aqui. Nós somos uma Roma tardia, feita 2.000 anos depois da saída dos soldados romanos.
Folha - Qual foi sua atividade política no exílio?
Darcy - Tive muita vivência política. No início fiquei com o Jango e o Brizola no Uruguai, pensando formas de invadir o Brasil. Depois larguei disso. Em 68, os meninos fizeram a marcha dos 100 mil aqui e eu achei que era covardia ficar escondido. Voltei e fiquei preso nove meses. Veio um novo exílio. Fui para a Venezuela, o Peru e, depois, o Chile. Voltei ao Peru, a convite do general Juan Velasco Alvarado, para ajudar a pensar a revolução peruana. Me interessava essa história de generais pensando em fazer revolução.
Tenho uma história curiosa sobre essa época. O Glauber Rocha, que era muito meu amigo, foi lá me visitar para entender porque eu estava ajudando os milicos. Eu disse a ele que não via chance de o Brasil chegar ao socialismo pela eleição, como o Chile estava chegando. Mas não achava impossível que os militares mudassem de direção, assumindo um rumo mais à esquerda, "nasserista". E o levei para conhecer o Alvarado. O resultado é que ele deixou o exílio e foi para o Rio dizendo que os gênios da raça eram o Darcy e o Golbery. Queria converter o Golbery. A palavra insólita do Glauber se deve a esse encontro no Peru.
Folha - O sr. era muito amigo do ex-governador Brizola?
Darcy - Nós nos conhecíamos, tratávamos de diversos assuntos. Aprendi a admirá-lo. Mas eu era um homem do Jango. Só na volta do exílio é que, de fato, nos tornamos amigos.
Folha - Como o sr. vê o projeto que se articula em torno do presidente Fernando Henrique?
Darcy - É um luxo para o Brasil ter um homem, um intelectual, da categoria do Fernando Henrique na presidência. Mas para ele chegar a isso, teve que fazer um pacto com a direita. Fernando não é igual a Antônio Carlos, não é igual a Marco Maciel, mas a conjuntura política o levou a essa proximidade. Ao mesmo tempo, ele está cercado por essa meninada perigosa, com a cabeça feita no estrangeiro, que nunca fez nada na vida, mas que está disposta a vender o esqueleto do Brasil.
Eu acho que o Fernando só vai fazer seu governo de verdade no próximo mandato. Vai haver reeleição e aí será eleito o Fernando Fernando, que talvez faça grandes reformas no Brasil.
Folha - O sr. tem uma vida afetiva movimentada?
Darcy - Eu sou um homem muito amoroso e muito grato às mulheres que me deram amor. E são muitas. Eu me casei de papel passado duas vezes (com Berta, antropóloga, e Claudia Zargos, designer). Mas passei mais tempo descasado do que casado. E mesmo quando casado, sustentava meu casamento com namoradas muito afetuosas. É muito bom para o casamento. Ele fica mais sólido quando você chega em casa contente emocional e sexualmente.
Há um número grande, mas muito menor do que deveria ser, de mulheres que me amaram. Eu tinha direito ao dobro. Mas ainda espero que algumas estejam prontas aí, embora eu esteja muito feio. Estou com uma namoradinha de 25 anos, outra de 30 anos e outra de 40, que me consolam muito.
Folha - Então o sr. está muito bem!
Darcy - Eu acho sempre que se deve ter três namoradas...

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