São Paulo, terça-feira, 7 de fevereiro de 1995
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Abbas Kiarostami vai filmar em São Paulo

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE TEERÃ

Abbas Kiarostami, 54, um dos artistas de maior prestígio internacional do momento, vai rodar "The Good, Good Citizen", um dos seus próximos longas, em São Paulo, ao longo da av. Paulista. O cenário atormentou e fascinou o cineasta em outubro passado, quando visitou a cidade como jurado da 18ª Mostra Internacional de Cinema.
No ano passado, Kiarostami representou o cinema iraniano em festivais de 77 países, foi o primeiro do seu país a ter um filme em competição em Cannes e recebeu quatro prêmios com seu último filme, "Através das Oliveiras", inclusive o da crítica na Mostra de São Paulo.
O cinema iraniano dá seguidas lições para o mundo de como se pode fazer filmes bons e muito baratos, com custos que quase nunca passam dos US$ 100 mil. E Kiarostami é o mestre desta nova escola de cinema humanista, neo-realista, que encanta as platéias de todo o mundo.
Abbas Kiarostami falou com exclusividade à Folha em Teerã, na última quinta, quando foi inaugurado o 13º FAJR International Film Festival, antes de seguir viagem para mais duas homenagens internacionais —em Gõtenborg, na Suécia, e em Miami (EUA).

Folha - Como está evoluindo o projeto do longa "The Good, Good Citizen", com filmagens em São Paulo?
Abbas Kiarostami - Já tive uma reunião com os meus produtores em Paris (a Ciby 2000) e eles repetiram que eu posso fazer o que bem quiser dos próximos cinco filmes que devo rodar com eles. Como sempre, não pretendo desenvolver um roteiro detalhado.
"The Good, Good Citizen" tem no momento a forma de um conto de 30 páginas. O que está decidido, por enquanto, é que "The Good, Good Citizen" será o terceiro dos meus próximos filmes. Na primavera (iraniana, em abril) começo a rodar no norte do Irã uma espécie de continuação de todos os meus filmes, em especial de "Através das Oliveiras", com alguns dos seus personagens vistos no futuro.
Mais para o fim do ano tem o filme que rodo em Berlim, que será o primeiro fora do Irã, mas com personagens do meu país, de uma geração de exilados na Alemanha. Penso filmar em São Paulo no verão (brasileiro) de 1996.
Folha - Mudou alguma coisa no projeto original do seu "filme brasileiro"?
Kiarostami - Não mudou nada. Vou tentar fazer exatamente aquilo que comecei a ver e escrever em São Paulo. Só que agora eu posso afirmar que o sonho começa a se tornar realidade (leia texto abaixo sobre o filme paulistano de Abbas Kiarostami).
Folha - Há rumores de que "Através das Oliveiras" seja um dos cinco indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro...
Kiarostami - E você acredita que vieram me perguntar se eu aceitaria um prêmio desses e se apertaria as mãos de mulheres seminuas (no Irã, a lei islâmica não permite que um homem toque uma mulher em público e elas devem aparecer sempre cobertas, dos pés à cabeça).
É claro que sim, eu disse, é um prêmio muito, muito importante. Não tem nada a ver com as coisas ruins que Hollywood representa. Tento explicar que o meu cinema é como um casamento. Que, quando você escolhe a noiva, não escolhe os bons ou os maus parentes dela...
Folha - Como tem sido lidar com tanta fama?
Kiarostami - Quando eu era jovem e desconhecido, todos os que me cercavam pareciam ser mais velhos e experientes. Agora sempre acho que eu sou o mais velho da turma. Isso deve ser um bom sinal. Às vezes pensava que tudo que posso fazer agora podia ter sido possível antes de completar 50 anos. Mas agora tenho certeza que depois dos 50 não se pensa mais na idade e, portanto, não dá mais para se sentir velho.
É muito bom se sentir cercado por gente mais jovem, mesmo que isso seja apenas uma boa impressão, não sei dizer se é a notoriedade ou a idade que provoca isso...
Folha - E a vivência com tantos atores amadores, como é possível fazer bons filmes com gente sem experiência?
Kiarostami - Acontecem coisas incríveis. Três dias antes de começarem as filmagens de "...E a Vida Continua", Farhad Kileralmand, escolhido para ser o principal ator, aquele que conduz o seu carro pelos territórios devastados pelo terremoto, no norte do Irã, me telefona para saber se era verdade que se tratava de um "road-movie". Eu disse: "Sim, e daí?" Ele disse: "Mas eu não sei dirigir..." E eu disse: "Pois você tem três dias para aprender..."
Você vê o filme e parece tudo certo. Mas os primeiros dias das filmagens foram inacreditáveis. Teve um dia que eu lhe disse: "Você vem com o carro e quando passar por mim você pára." Ele passou por mim e seguiu acelerando. Entramos em outro carro para persegui-lo e levou muito tempo para conseguir convencê-lo a parar. "E por que você não parou", perguntei? "Você não disse corta, por isso continuei", respondeu.
Terminado o filme, todo mundo o elogiava. E ele disse uma coisa muito impressionante: quando filmava, não pensava nada sobre o que é ser ator de um filme. Só pensava no que me havia dito —que a câmera na sua frente gastava negativo, que era um combustível muito caro. E pensava também que levava dentro do carro um menino que não era o seu filho. Pensava apenas que era o maior responsável no fim para não gastar muito negativo e para não machucar uma criança.
Folha - E o senhor já pensou nos atores dos seus próximos três filmes?
Kiarostami - Ainda não. No norte tenho tudo mais ou menos arranjado, mas só vou decidir no último momento. Em Berlim só sei que vou escolher uma moça da ex-Alemanha Oriental para ver se consigo uma pessoa inocente, "primitiva". Em São Paulo, por favor, se encontrar aquela garota, não lhe diga nada ainda...

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