São Paulo, terça-feira, 7 de fevereiro de 1995
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Plano de Maluf não existe

MARIO DA COSTA CARDOSO FILHO

O Plano de Atendimento à Saúde (PAS) anunciado pelo prefeito Paulo Maluf tem merecido, justamente, críticas dos mais diversos setores. Primeiro, pela forma leviana como foi apresentado publicamente, sem que haja de fato um plano consolidado sobre o qual se possa discutir. Depois, por surgir na calada da noite, sem qualquer consulta à comunidade e suas representações.
Se o prefeito quer parceiros num projeto audacioso, deixar de ouvir quem deverá implementá-lo é um ato irresponsável. Mas não são apenas esses aspectos, que seriam naturalmente considerados numa relação democrática, que justificam a péssima impressão provocada pelo nebuloso projeto.
Todas as indicações existentes até o momento são de que o arcabouço do PAS foi engendrado nos gabinetes da Prefeitura de São Paulo, com apoio logístico de técnicos e representantes de empresas de medicina de grupo. Não há dúvidas por parte das entidades médicas de que toda a argumentação utilizada até agora para justificá-lo compõe uma cortina de fumaça, destinada a desviar a atenção popular sobre a intenção privatizante da prefeitura.
Para o cidadão de baixa renda, que de fato não recebe atendimento digno, qualquer coisa melhor que nada é bom, e talvez isso justifique a expectativa criada na opinião pública e incentivada pelo secretário municipal de Saúde, Getúlio Hanashiro.
Há pelo menos três interesses a serem considerados nessa polêmica. O da prefeitura está claro: transferir sua responsabilidade perante à assistência pública à saúde e encontrar quem faça por ela o que a Constituição Federal lhe determina. Uma solução simplista e, sob o ponto de vista da cidadania, acintosa à ética.
Em síntese, a prefeitura incentiva a criação de empresas —sob a designação "cooperativas"— e transfere toda sua responsabilidade pelo gerenciamento e administração das unidades de saúde. Em contrapartida, estabelece um valor "per capita" a título de remuneração e lava as mãos sobre o que venha a acontecer daí para a frente.
O interesse da cidadão é, como sempre, o de receber assistência digna. Em face da crise instalada na assistência pública, e sem saber exatamente como ela se processa, o contribuinte pode ser levado a crer que terá, com o PAS, algo mais que a desassistência atual.
Só que o paulistano usuário da estrutura de saúde da prefeitura também não sabe como se processará seu atendimento. Só poderá ser assistido se for isento do IPTU? Poderá recorrer a qualquer unidade, ou apenas àquela onde estiver cadastrado? Quais os requisitos para o cadastramento? A quem reclamar quando for mal atendido ou recusado por não ser cadastrado? Caso o recurso "per capita" seja insuficiente para cobrir os custos do atendimento, onde será feita a "economia", no doente ou na remuneração dos funcionários?
Para o servidor municipal, já está claro, o PAS representa acima de tudo uma ameaça imediata de perda de emprego e possível redução de salário. Há dezenas de dúvidas que podem ser elencadas sobre quais os efeitos do plano sobre eles. Sendo cooperado, o ex-servidor terá que ratear as sobras com todo corpo cooperativo. Isso quer dizer que ele não terá mais um salário fixo? E nos meses em que a cooperativa der prejuízo —fato que ocorre com frequência—, o cooperado vai sobreviver de que jeito?
Qual conceito de produtividade se implantará: o de maior número de atendimentos por tempo de dedicação —o que pode implicar a transformação da assistência numa linha de montagem—, ou o de maior tempo de serviço para conquistar uma fatia maior do rateio —o que pode obrigar o profissional a trabalhar 12, 14 ou mais horas do dia?
As considerações acima representam apenas uma ínfima parte das questões que merecem ser imediatamente respondidas, o que deveria ser a preocupação prioritária do secretário-sociólogo da saúde. Em vez disso, ele continua defendendo a tese do PAS sem dar esclarecimentos sérios e dados que demonstrem, com clareza, que tipo de relação custo-benefício vai se estabelecer entre todas as partes envolvidas.
Sinal de que o plano —que a AMB (Associação Médica Brasileira) solicitou por diversas vias à Secretaria e ainda não obteve— não passa de uma bolha de sabão sem a menor consistência. E que não deve encontrar qualquer aprovação da parte dos que atuam responsavelmente na saúde.

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