São Paulo, quarta-feira, 8 de fevereiro de 1995
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Não fumante está liberado para magoar

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Nada a ver com o prefeito, cujo rísivel decreto antifumo está sendo bombardeado pela lei, mas sou obrigada a retomar o tema fumantes.
Escreva: não falta muito para que tabagistas sejam forçados a andar de estrela cor-de-rosa na lapela, feito os homossexuais sob o nazismo.
Exagero? Na sexta, jantei no Carlino, o restaurante mais antigo de São Paulo. Antes da refeição, como de praxe, saquei da bolsa um Marlborozinho, para uma pitada que me amortecesse o palato. Afinal, o agnolotti ai porri do Carlino não merece ser aviltado pelo vigor de um paladar esterilizado.
À primeira tragada, veio um garçom dizer que, devido ao decreto autoritário do prefeito, eu deveria extinguir meu crivo nicotífero.
Cada um no seu papel, retruquei que não poderia ferir meus princípios, teria de continuar me matando como bem entendesse. O homem concordou, largou do meu pé e o jantar prosseguiu na santa paz. Até ser interrompido novamente, durante o ritual da pitada pós-cafézinho.
Assim que acendi o segundo cigarro, outro garçom veio me informar que o casal da mesa lá do fundo tinha sérias restrições à minha fumaça.
Por um momento, tive dúvida: estaria eu na sala das incubadeiras da maternidade São Luiz e não em um restaurante da rua Vieira de Carvalho, epicentro desta fétida cidade?
Tudo bem, fumar é mesmo um lixo e eu respeito a atitude do garçom, por sinal, um dos maiores prejudicados pelo decreto antifumo, que agora trabalha de graça como fiscal da prefeitura. Respeito também os locais que não me querem mais como cliente. Tenho fogão em casa e outros lugares para ir que ainda aceitam párias como eu. Respeito ainda o recalcado casal de comensais que pretende viver em uma redoma de ar puro, como respeito o leitor anônimo que escreveu me xingando de porca porque sou fumante, e os que enviaram cartas informando que deixaram de ler esta coluna porque critiquei o decreto anticonstitucional do prefeito.
Só não digam que não avisei: a maldição do politicamente correto está criando um belo bode expiatório. Ainda vai correr sangue, escrevam.

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