São Paulo, quarta-feira, 8 de fevereiro de 1995
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Masp vai privilegiar arte do século 14 ao 19

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O Masp deve ser um "Metropolitanzinho", segundo o novo conservador-chefe do museu, Luiz Marques, 43. O diminutivo do museu nova-iorquino não se refere só ao porte dos acervos —2,2 milhões de peças do Metropolitan contra cerca de 5.000 do Masp.
Entenda-se aí uma vocação mais clássica: "O Masp tem que mostrar o seu potencial histórico. Nosso acervo tem arte ocidental do século 14 ao 19", diz. Arte do século 20, só se estiver à altura do acervo do Masp.
Professor da história da arte da Unicamp (Universidade de Campinas), Marques é um especialista em arte italiana do século 13 ao 18. Sua tese de doutorado, defendida na École des Hautes Études de Paris, era sobre pintura centro-italiana do século 13.
Estudou pintores como o Mestre do Crucifixo Número 20, um italiano influenciado pelos bizantinos cujo nome não se conhece, e Giotto. "Era meio bizantino, nos dois sentidos", brinca.
Nesta entrevista, ele anuncia pela primeira vez seus planos desde que foi nomeado em 29 de novembro. Diz que conservação de obras já não é um problema crítico, mas a estrutura "arcaica" do museu.

Folha - Muitos especialistas acham que o principal problema do Masp é a conservação do acervo. Concorda?
Luiz Marques - É difícil definir o principal problema. A conservação foi um grande problema, mas hoje não é mais crítico. Temos recursos humanos qualificados.
Folha - Qual a área crítica?
Marques - É a defasagem entre o acervo do Masp, próximo ao de um museu europeu, e o caráter rarefeito da estrutura institucional.
Não temos uma estrutura suficientemente madura que nos permita administrar esse acervo dos pontos de vista científico, de divulgação, de administração.
Folha - O Masp é arcaico?
Marques - É. A fragilidade institucional decorre da história do Masp. Durante 40 anos ele esteve sob a égide de um grande homem, o Bardi. Mas ele concentrava tanto as decisões que o museu acabou por ter uma estrutura atrofiada. Temos acervo há 50 anos, mas a instituição tem cinco, dez anos.
Folha - Como se muda isso?
Marques - Com profissionalização. Temos coordenadorias, mas são muito jovens, frágeis.
Folha - O que o sr. pretende fazer com as telas que têm problemas de restauração, como as de Tiziano, Bosch e Bellini?
Marques - O problema da conservação é muito complexo e devem-se evitar demonizações ou procurar culpados. A história desses quadros começa antes do Masp. Eles foram comprados entre 1947 e 1959 do mercado. Quadros que estão no mercado são diferentes dos que pertencem a museus. Os quadros do Louvre estão lá desde o século 16. Os do Masp foram restaurados para o mercado, e esse tipo de restauração, sobretudo nos anos 40, era uma maquiagem. Era boa para a época, mas hoje notamos problemas. Nós também cometemos muitos erros.
Folha - Em que quadros?
Marques - Fragonard, Turner e Bellini sofreram. Estávamos isolados do resto do mundo, das técnicas mais recentes em restauração.
No Tiziano, foi detectada uma intervenção que não era boa, mas o quadro está sendo restaurado no Getty Museum de Malibu e será exposto até o fim do ano.
Folha - A única marca do Masp é o personalismo de Bardi. Que tipo de marca o sr. quer deixar?
Marques - Não quero imprimir marca nenhuma. Gostaria que minha presença fosse marcada pela continuidade do que o Fábio (Magalhães) fez. Fábio conseguiu institucionalizar a figura do curador, a idéia de que tem um perfil definido e é responsável pela atividade fim do museu: expor obras.
Folha - Continuidade aí quer dizer que o sr. não tem projeto?
Marques - Não. O Masp não teve uma linha clara de exposições. Recebia balas de todos os lados, era um museu mais hospedeiro do que promotor. É engraçado porque o Bardi é um dos maiores animadores culturais do século. Mas tudo aqui era tão pobre e ele foi tão mal recebido que percebeu que seria um missionário. Bardi era uma espécie de pérolas aos porcos.
Folha - Que tipo de exposições o sr. pretende privilegiar?
Marques - Só vamos desmontar o acervo para exposições que estejam à altura da nossa coleção.
Temos que expor obras que reforcem a identidade do museu. Se puder eu farei uma exposição de pintura caravaggesca (da escola de Caravaggio). Isso significa somar. Não faz sentido tirar o acervo para colocar uma grande exposição de arte brasileira contemporânea.
Folha - O Masp vai ignorar a arte do século 20?
Marques - O Masp tem que mostrar o seu potencial histórico e estético. Nosso acervo tem arte ocidental do século 14 ao 19.
Não significa que vamos fechar as portas para a arte do século 20. Mas temos que levar em conta que existe em São Paulo um Museu de Arte Contemporânea e a Bienal.
O Masp deve mobilizar referências fundamentais da cultura visual. Se uma dessas referências está no século 20, vamos expor. Guardadas as devidas proporções, o Masp é um Metropolitanzinho.
Folha - O Masp tem dinheiro para ser um Metropolitanzinho?
Marques - Não estou aqui para resolver questões de recursos. Mas tenho idéias: o Masp é um superproduto, mas não sabe vender essa idéia. Estamos aprendendo a estabelecer parcerias com empresas.
Folha - Você venderia uma das 12 telas de Renoir para comprar um Giacometti?
Marques - Não é proibido vender obras, mas o estatuto dificulta a tal grau que é difícil chegar a um consenso. Se esse consenso ocorresse, eu seria contra. A razão é simples: é difícil definir o que você pode vender sem perda cultural.
No século 19 você venderia um Caravaggio e hoje estaria pondo a mão na cabeça. A história do gosto é a história do próprio tempo. Museu que se desfaz de peças achando que vendeu algo sem valor pode cometer erros graves.
Folha - Mas o sr. tem planos de comprar obras para o Masp?
Marques - Nada dá mais prazer a um curador do que comprar. É o grande barato. Uma coleção, por definição, é uma coisa incompleta.
Folha - Qual o maior buraco?
Marques - São tantos... Uma das grandes lacunas é um caravaggesco. Só temos um grande quadro de um caravaggesco, que na época foi comprado como se fosse Ribera, mas pode ser de Bartolommeo Passant, Bartolommeo Bassant ou Maestro Dell'Annuncio ai Pastori.
Eu compraria pintores da Contra-Reforma, que não foram valorizados, como Cavalier D'Arpino, o mestre de Caravaggio. Ou reforçaria o classicismo francês com um Charles Le Brun, o primeiro pintor da corte de Luís 14. Custam US$ 100 mil, mas não temos isso.

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