São Paulo, quarta-feira, 8 de fevereiro de 1995
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'Oberwald' retoma mistérios de Antonioni

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Existem muitos mistérios em "Oberwald". O menor deles não é, com certeza, ser tão subestimado este trabalho em que se encontram a poesia, o fantástico, o conto policial, a experimentação.
A história diz respeito a um poeta rebelde (Franco Branciarolli) que, numa noite de tempestade, invade o castelo de Oberwald, disposto a matar a rainha (Monica Vitti). A rainha é um ser mitológico e uma pessoa singular. Há dez anos casou-se por amor com o rei, assassinado no dia mesmo das núpcias. Desde então, ela vive reclusa (e costuma receber a culpa pelos desmandos do governo).
O poeta, Sebastian, também é singular. A começar por sua semelhança com o rei. Aliás, ele entra em cena —nos aposentos da rainha, mais exatamente— por trás de um retrato do rei. A impressão que se tem não é de um invasor: é como se o rei tivesse renascido nesse sósia.
Para a rainha, não se trata apenas de um duplo. Sebastian é o homem que a tirará de sua morte em vida e, por fim, lhe dará amor. O eixo temático é bem o que se espera de um filme tirado de um texto de Jean Cocteau ("A Águia de Duas Cabeças"): uma viagem ao interior da morte e a hipótese de ressurreição.
Como Antonioni trabalha as intrigas da corte como uma narrativa policial, "O Mistério de Oberwald" alimenta-se dessa superposição de registros: não raro, parece que estamos em um filme de Hitchcock (pelo tipo de atmosfera que se cria); no final, trágico, parece um filme de Visconti (de um Visconti despojado, é verdade).
Mas todo o tempo é Antonioni. Como em todos os seus filmes, há um vazio a determinar a intriga e o andamento. A morte do rei põe a rainha no domínio da ausência de sentido: as coisas não significam, ou só significam morbidamente.
Não é tão distante assim de "O Eclipse" ou "Blow Up", para ficar em alguns exemplos célebres de filmes do italiano normalmente aceitos como intocáveis.
Mas há algo de atípico neste trabalho, gravado em magnético para a TV italiana: o constante experimentalismo no trabalho de cor.
Essa é a parte mais contestável em "Oberwald". Também é a que menos tem importância em vídeo. Os efeitos quase desaparecem na tela pequena.
Esse é um problema menor. Cada plano, cada centímetro quadrado da tela são ocupados por imagens de uma beleza a que a austeridade confere uma discrição admirável.
Habitualmente despojados, desta vez os traços de Antonioni tornam-se francamente essenciais, como se devessem existir num terreno vago entre o histórico e o poético, o fantástico e o real. Um vago que Antonioni preenche com uma precisão e uma capacidade de síntese admiráveis.
Apenas para completar. Se a rainha passou dez anos até reencontrar o seu rei (ou para reencontrar sua imagem fantasma), Antonioni ficou 15 anos sem filmar com Monica Vitti. Esse reencontro não é um encanto secundário em "O Mistério de Oberwald".

Filme: O Mistério de Oberwald
Produção: Itália, 1980, 123 min.
Direção: Michelangelo Antonioni
Elenco: Monica Vitti, Franco Branciarolli
Distribuição: Concorde (tel. 011/857-7553)

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