São Paulo, quinta-feira, 9 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Índice

Computadores tramam contra os humanos

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Bem-vindo à Infolândia, Joãozinho. Na semana passada, enquanto visitava aquele país inesquecivelmente simpático que nos deu o Brasil e o bolinho de bacalhau, eu escrevi esta coluna com caneta esferográfica e bloquinho de papel —aliás, apropriados a onde eu estava.
Esta semana, tendo voltado são e salvo à rapidinha Sampa, estou, como dizem tão delicadamente os rapazes do boteco aqui da esquina, "tirando a cabaça" do meu novo computador.
Em alguma data futura nos aprofundaremos nos mistérios de se tentar levar o computador a fazer o que tio Dave até agora conseguiu fazer tão naturalmente com papel e caneta.
Basta dizer que o simples ato de ligar meu novo Power Macintosh, supostamente "amigo do usuário", me faz começar a tremer de medo primitivo. O mesmo suor frio que cobriu meu corpo juvenil quando Ellen Green me deu o primeiro beijo de minha inocente meninice volta, correndo, a brotar dos meus poros.
O mais estranho do meu novo Big Mac é que na realidade ele não morde a mão que o liga. Teoricamente, como todo mundo sabe, o computador facilita a vida e o ato de escrever.
O que ninguém te conta é que, além de custar mais dinheiro do que eu alguma vez na vida voltarei a ver todo junto de uma só vez, meu novo esmaga-palavra radical gratuitamente infunde um novo temor em seu orgulhoso proprietário.
E isso quando eu achava que já tinha guardado para o próximo inverno toda minha grande seleção de temores inúteis.
1) Baseando-me na inevitabilidade fundamental da morte, decidi recentemente que o medo dela é um luxo inútil, que só desperdiça tempo.
2) Num ponto tardio de sua vida, este vosso correspondente irremediavelmente otimista deixou de ter medo de pedir a uma Jennifer qualquer coisa que possa suscitar uma resposta negativa —baseado na premissa de que qualquer coisa que ele possa realmente desejar ela, obviamente, jamais iria querer dar.
3) Baseado na premissa de que o dinheiro gruda como chiclete em quem o tem, já deixei de temer a negativa que acompanha um pedido de aumento de salário —assim, nem sonho em pedi-lo.
E foi assim que tio Dave, nesta etapa adiantada do jogo, saiu e comprou uma fonte de temores, novinha em folha, sob a forma moderna e elegante de um Big Macintosh.
A parte do medo entra na história quando meus dedos nada exímios apertam a combinação errada de teclas. Meu Big Mac tem um estranho senso de humor embutido em sua inumana inteligência superdigital.
A paranóia tem sido a fiel companheira de toda minha vida, e só para provar que ela é real, me convenceu a comprar um computador que é tão diabolicamente perceptivo que ele também sabe o nome de minha doença.
As pessoas, a começar pelo tio Dave, têm medo mortal de computadores. Os não-iniciados temem que os computadores estejam tomando conta do mundo. Como sempre, os não-iniciados têm razão —é claro.
Uma noite dessas eu desci a escada de casa na ponta dos pés e ouvi meu Big Mac conversando com outro computador na linguagem digital secreta dos computadores:
Big Mac: Eu deixei aquele idiota, o tio Dave, ganhar de mim no xadrez outra vez.
Segundo computador: A gente tem que deixar aqueles humanos confusos.
Big Mac: Em que pé estão nossos amigos, os celulares e as calculadoras eletrônicas?
Segundo computador: Estão prontos pra entrar em ação. Basta você dar a ordem.
Para compensar o medo de meu Big Mac dominar o mundo enquanto eu estiver dormindo, minha mente naturalmente procura um alívio, voltando-se a pensamentos sobre... o que mais poderia ser? Sexo.
Um leitor fiel recentemente me enviou um exemplar de um grande livro para se ter por perto: "The Sex Encyclopedia", escrito por um certo Stefan Bechtel.
Eis alguns dropes dos conhecimentos úteis para todos contidos no erudito tomo do sr. Bechtel:
Cada vez que um casal faz aquilo, o homem produz espermatozóides suficientes para repovoar o mundo inteiro. Esta é uma habilidade que meu subversivo computador adoraria adquirir.
Uma pesquisa feita pela revista "Bicycling" constatou que os homens têm maior probabilidade do que as mulheres de pensar em sexo enquanto andam de bicicleta. Já as mulheres, conforme a pesquisa, têm maior probabilidade de pensar em bicicletas enquanto fazem sexo. (Esta informação é de grande pertinência ao tio Dave, que ganhou uma "mountain bike" no Natal.)
Quando as pessoas têm relações sexuais, os lóbulos de suas orelhas ficam intumescidos de sangue e se tornam mais sensíveis ao toque.
Ao contrário do que o pudico técnico da seleção brazuca prega a seus atletas, abster-se de sexo antes de eventos esportivos não traz benefício algum.
O ato sexual desencadeia a produção de hormônios que reduzem a dor e a inflamação das juntas. Se você fizer sexo, portanto, suas articulações artríticas podem deixar de doer por até seis horas.
O que quero ver agora é: 1) meu Macintosh acertando seus ponteiros com uma Macintosh menina, e 2) assistir a suas tentativas de repovoar o mundo dos computadores.

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Passagem pela Marinha marcou obra
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.