São Paulo, sexta-feira, 10 de fevereiro de 1995
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México: quando análise vira torcida

FRANCISCO PETROS

Uma face não muito conhecida do público em geral sobre a atual crise mexicana é o fato de que, há pouco mais de um mês, este país estava sendo recomendado pelos analistas de investimento das principais corretoras e bancos estrangeiros como uma excelente oportunidade de investimento.
Dizia-se, na ocasião, que este país teria uma taxa de crescimento do seu PIB de cerca de 5% (alguns falavam em 7%!!!), que as reformas políticas iriam cumprir a última e decisiva etapa do desenvolvimento do país antes do início do século 21 e que a integração daquele país ao Nafta seria o caminho natural para que, enfim, ele chegasse ao Primeiro Mundo. Alguns analistas chegaram a afirmar categoricamente que uma desvalorização do câmbio estaria totalmente excluída de um cenário de curto e médio prazos.
O México hoje encontra-se numa situação de profundo constrangimento externo. Houve uma desvalorização de 50% da sua moeda, a inflação deve atingir patamares ao redor de 20%, o sistema financeiro está em situação delicada, deve haver uma recessão profunda, o sistema político está totalmente esgarçado e o presidente Zedillo, que era, até um mês atrás, considerado pelos analistas de investimento "um excelente presidente", passou a ser questionado quanto à sua capacidade política.
O desastre mexicano deve ser refletido sob vários aspectos com seriedade e responsabilidade. Gostaria de destacar três aspectos que julgo extremamente importantes.
O primeiro deles é o fato de que não existe milagre em matéria econômica. Milagres são acontecimentos sem causa. A ciência econômica não é exata.
Pode-se afirmar com serenidade que a atual crise tem no seu bojo um conteúdo forte de irracionalidade momentânea, mas ninguém há de duvidar que seus fatores e fundamentos há muito estão presentes: havia forte déficit de transações correntes, o país apresentava crescimento negativo ou muito baixo havia vários anos, a situação política estava se complicando (crise de Chiapas, assassinatos políticos), pactos políticos produziam consensos que muitas vezes escondiam ineficiências, havia questionamentos sobre a eficiência do setor privado mexicano e assim por diante. Portanto, a análise política e econômica mostrava problemas. E, como sabemos, milagres não têm problemas...
O segundo aspecto diz respeito ao papel do capital estrangeiro no equilíbrio do balanço de pagamentos. Na década de 80, acentuou-se o fenômeno da desintermediação financeira —ou seja, os investidores passaram a aplicar diretamente em mercados e riscos específicos. A partir daí, os balanços de pagamentos dos diversos países registram cada vez mais transações de investimentos e menos empréstimos (crédito).
Se, de um lado, este fenômeno transfere ao investidor o "management" do risco (contrariamente aos empréstimos, cujo risco é da instituição emprestadora), de outro lado aumenta a incerteza, uma vez que tais investimentos são feitos em países que têm ampla liberdade de entrada e saída dos recursos investidos, sem compromisso com prazos, como no caso do investimento estrangeiro direto, muito importante para consolidar o processo industrial de um país.
Desta forma, os investidores, ao obterem um determinado retorno (aplicando no mercado de juros local, por exemplo), retiram o capital investido acrescido ou reduzido de seu retorno. Trata-se de um capital muito "mais nervoso" que o existente há uma década.
No México, este era basicamente o capital que financiava o gigantesco déficit comercial. Para manter o fluxo de capital positivo, o México manteve a taxa de juros doméstica em patamares relativamente altos nos últimos anos, para propiciar interesse dos investidores; isso motivava uma discreta performance em termos de crescimento e grande parte do consumo doméstico (sua dívida interna) passou a ser financiada pelo nervoso capital estrangeiro.
Visualizava-se uma clara necessidade de reduzir o saldo comercial negativo, desvalorizando-se o câmbio. Mas, para os investidores, detentores do nervoso capital financeiro, a questão da taxa de câmbio era uma questão de retorno: se houvesse uma desvalorização, perdia-se dinheiro.
Esta perigosa "corrente de alegria" durava anos e, via de regra, era apresentada por analistas de grandes bancos e corretoras como "sinal da vitalidade mexicana". O processo de informação e análise destas respeitadas instituições passou a ser cada vez mais condicionado pelos seus interesses. Muitos analistas passaram a ser "torcedores". Quando houve a desvalorização, uma grande perda (calcula-se em mais de US$ 15 bilhões) foi imposta a estes investidores. Este relacionamento atualmente foi dramaticamente perturbado, sendo que o diálogo franco de antes transformou-se numa forte cobrança nos dias atuais.
O terceiro aspecto diz respeito ao papel da ética no trabalho do analista de investimento. A comunidade dos analistas tem papel fundamental na difusão de idéias, conceitos e informações. É normal investidores tomarem importantes decisões em função de informações de analistas.
No Brasil, assim como nos mercados internacionais, o trabalho de análise e difusão de informações vem sendo condicionado por uma multiplicidade de interesses, alguns destes em prejuízo dos investidores. Muitas vezes, emitem-se opiniões não-fundamentadas sobre uma empresa para recomendar tal investimento apenas em função do fato de aquela instituição, à qual subordina-se o analista, estar envolvida numa operação de emissão de títulos.
É o que se chama de conflitos de interesse. Não é somente uma questão ética. É uma questão econômica, uma vez que a prestação de informações sem base, ou mesmo falsas, gera uma alocação inadequada de recursos, o que reduz a eficiência do sistema econômico.
É comum no Brasil instituições financeiras não fornecerem informações acuradas sobre investimentos, desde um simples prospecto de fundos até a emissão de ações. Boa informação nunca é demais!
Todas as informações acima dispostas eram de conhecimento dos investidores no México. Mas foram minimizadas por diversas análises, inclusive de respeitadas instituições internacionais. Dentre os muitos aspectos levantados sobre esta crise que está influenciando toda a América Latina, pôde-se levantar mais esta lição: o processo de análise de investimentos não pode nunca virar torcida, por força de conflitos de interesses. Isso pode levar a severos prejuízos.

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