São Paulo, sexta-feira, 10 de fevereiro de 1995
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O urso polar e a rã chinesa

JOSÉ SARNEY

Sou um hipocondríaco convicto. Quando viajo, não deixo jamais de fazer o meu "sight-seeing" de farmácias.
Em Nova York, tenho meus lugares prediletos onde saber das últimas panacéias da ciência. José López, um cubano bem-sucedido, dono de uma farmácia na avenida das Américas, nunca me dá bom-dia quando entro em seu estabelecimento, e sim notícia salvadora: "Saiu uma descoberta milagrosa; veja que beleza!" E me traz um vidro com rótulo dourado e um título intrigante: C.O.Q. 10. E me explica, eufórico, que é uma coenzima, sintetizada pelos japoneses (japonês é sempre sinal de tecnologia de ponta), antioxidante, contra o envelhecimento celular etc. e tal.
Existe, com milhões de adeptos, a corrente ou irmandade dos hipocondríacos, sempre em busca de remédios e sempre detectando doenças. Um desses amigos da nossa irmandade, outro dia, telefonou-me altas horas da noite: "Você já sabe da novidade? A maravilha?" "Que aconteceu?", indaguei curioso. "Descobriram uma gordura do urso polar que evita o envelhecimento e que o corpo humano deixa de fabricar aos cinco anos, e o urso fabrica até a morte".
Mas não fiquei sem mostrar minha atualização. "Você está acompanhando as descobertas chinesas? Pois fique sabendo que eles estão fazendo uma pílula de baba de rã que é uma maravilha. A rã é o animal que, em relação a seu peso, é o que mais energia possui. Pula 30 vezes o seu tamanho. Use o urso polar, mas procure também a rã chinesa".
Fomos ele e eu sonhar com nossos remédios milagrosos. Afinal o homem vive sempre em busca de remédios.
Para os da alma, recorre aos santos, e aí também há novidades. O Jorge Amado, que gosta mais dos orixás do que dos santos, acha que santo velho e devoção antiga já esgotaram seus pedidos para o Criador. O prestígio passou para o Menino Jesus de Praga. Calcule São Irineu, do século 13, ou santa Severa, do 18, como não estarão com suas cotas esgotadas...
E os remédios da sociedade? As teorias de salvação econômica? De resolver a pobreza, de salvar os males sociais. Veja-se Marx. O velho sábio barbudo, estátua em todos os lugares, hoje, desprezado, humilhado. Lênin? Contaram-me que seu prestígio está tão por baixo, que um guarda do seu túmulo, em Moscou, recebeu uma proposta de suborno: uma garrafa de vodca para deixar que o turista furasse a fila. O guarda, mais que depressa, aceitou, observando: "O senhor quer ir até lá ou quer que eu traga o corpo aqui?"
E o novo deus, o neoliberalismo? A desestatização? Quanto tempo vão durar? Lembro-me de que há três anos, leitor dos artigos médicos, fui seduzido por um título: "B6, O Gigante da Nutrição". Todas as outras vitaminas, diante desta, não valiam nada. O modismo era B6. Devia ser tomada às toneladas. Não durou muito, e foram descobertos nela efeitos colaterais que não recomendavam altas doses.
Agora, quando vejo a grande panacéia do neoliberalismo, que é o urso polar e é a rã, penso nos efeitos colaterais da vitamina B6: México.

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