São Paulo, sexta-feira, 10 de fevereiro de 1995
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PT - 15 anos

MARCO AURÉLIO GARCIA

A comemoração dos 15 anos do PT coincide com o fim de um ciclo de sua história. Quando de sua fundação, ele buscou criar uma alternativa ao regime militar em crise. Mas, ao lado da construção do Estado de Direito, colocou-se a necessidade de associar a exigência de democracia política à da democracia econômica e social. O sistema de dominação no Brasil se havia constituído articulando engenhosamente exclusão econômica e social com exclusão política e combinando, alternadamente, clientelismo com violência.
Frente a uma esquerda que discutia o "caráter", as "etapas" ou "tarefas" da "revolução brasileira" ("democrático-burguesa", "socialistas" etc.), o PT instaurava uma heterodoxia, que se prestou a muitas leituras, mas renovou os costumes políticos do país.
Não por acaso se encontraram a 10 de fevereiro de 1980, para fundar o PT, um emergente sindicalismo e lideranças populares com remanescentes da esquerda pós-64 e da "intelligentsia" heterodoxa representada emblematicamente por Mário Pedrosa, Sergio Buarque de Holanda e Antonio Cândido, dentre os mais velhos, e Francisco Weffort, Paul Singer e outros, dentre os mais jovens.
A crise dos paradigmas comunista e social-democrata, visível para quem quisesse ver, propiciava uma saudável orfandade ideológica que muitos pretenderam sanar com um movimentismo que se esperava capaz de refazer a utopia e de construir um caminho, uma política.
Sem espaço para fazer uma história do PT, fiquemos com os traços essenciais de sua trajetória, desde quando a exuberância dos movimentos sociais fazia crer em um verdadeiro "cerco" de um Estado em crise por uma sociedade efervescente, até suas grandes experiências institucionais no Parlamento, nas prefeituras e agora em governos estaduais, mas, sobretudo, as duas disputas presidenciais. Com o tempo o partido pôde melhor entender sociedade brasileira e compreender o alcance político das transformações nela ocorridas.
O PT deixou marcas nesta sociedade. Mas as mutações que ela sofreu na paradoxal "década perdida" que foram os 80 (paradoxal, pelos "ganhos" políticos obtidos) também deixaram seus traços no partido.
Os elementos de autonomia dos movimentos sociais, que o PT acertadamente captou, permitiram que eles articulassem uma resistência contrariando a tendência histórica de que aos ciclos recessivos do capital correspondem ciclos recessivos da luta social.
Mas o prolongamento da crise e a construção do Estado de Direito nos marcos da conciliação das elites fez com que o PT enfrentasse dificuldades sem ter a percepção total de seu alcance e natureza.
As elites, por mais divididas que estivessem, encontraram fôlego para se recompor com eficácia. A explosão cidadã das "diretas" dissolveu-se no colégio eleitoral. A frustração do governo Sarney abriu caminho para um aventureiro. O fracasso deste não permitiu que o país fosse passado a limpo. Finalmente, o que seria o governo de transição criou condições para o ajuste neoliberal antes tentado pelo aventureiro. Uma sociedade exasperada pela pobreza e pela inflação preferiu a estabilidade da moeda, com toda transitoriedade que pudesse ter, à ruptura democrática que Lula havia proposto em 89 e reiterava em 1994.
Mas é indiscutível que o país mudou e que na raiz desta mudança esteve o PT. Entregando poucos anéis para não perder os dedos, o establishment encontrou em um intelectual brilhante, disposto a pactuar com o demônio, a única alternativa para enfrentar o novo.
FHC é presidente porque Lula chegou aos 43% nas pesquisas em junho. Mas isso coloca para o PT uma dilacerante questão: estará o partido condenado apenas a empurrar o Brasil para a esquerda ou poderá hegemonizar a revolução democrática proposta em seu programa em 94? Para que o PT não seja no futuro apenas um "caco da história" no "amontoado das ruínas" republicanas a ser resgatado futuramente na história dos vencidos, é necessário que ele aprenda hoje com seus erros, (re)pense o Brasil e assuma não só com vontade, mas também com lucidez, sua vocação de poder.
A agenda para essa etapa de sua existência envolve a necessidade de construir, sem sectarismo e sem adesismo, um novo caminho. O partido terá de responder não apenas pela negativa o que governo lhe propõe. Deve sofisticar sua proposta sem esquecer que a modernidade, por tantos invocada, não eliminou as mazelas da exclusão provocada por uma elite que, há pouco mais de cem anos, combinou liberalismo com escravidão e disto não se arrependeu.
A agenda petista revela os desafios que o partido tem pela frente: construir um projeto nacional quando a "globalização" não é só astúcia da razão conservadora, mas realidade tangível.
Articular as mudanças que um século 21 prematuramente iniciado exige, com a solução de um amplo contencioso social, resultante de problemas pendentes do 20 e do 19. Sem renunciar suas sólidas bases no Brasil organizado, buscar sensibilizar o Brasil excluído para construir a emancipação social e nacional.
Compreender que a construção nacional e a emancipação social e política dos "de baixo" exige inteligência e flexibilidade nas alianças, questão complexa diante do risco de perder a identidade.
Entender e transformar um mundo onde o socialismo realmente existente foi derrotado, mas os vencedores não deram solução aos problemas que aquela caricatura de socialismo pretendia responder.
Finalmente, abrir o partido transformando-o em laboratório de idéias e campo de experimentação política. Tudo isso sem vergonha de ser um partido de esquerda e, sobretudo, dos trabalhadores.

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