São Paulo, sábado, 11 de fevereiro de 1995 |
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Livro reúne os textos do subcomandante
ARNAUD VIVIANT
Epistolário e narrador talentoso, espécie de T. E. Lawrence irônico dessa revolução, misto explosivo de Che Guevara e Julio Cortázar (o escritor que mais frequentemente cita), Marcos é ao mesmo tempo a face mais visível e a mais secreta do EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional). Eles vão se considerar recompensados se sua história circular em nível internacional, escreveu Marcos em janeiro de 1994. A compilação reúne dois tipos de textos. Por um lado os comunicados do EZLN, definindo suas posições irredutíveis e sobre as quais o subcomandante indica com fineza, em seu prefácio, que constituem uma palavra ansiosa, que morde sua própria cauda. Mas, acrescenta, existem textos que tenho a tendência a redigir à guisa de apresentação dos comunicados que emitimos. Nesses textos mostro mais desenvoltura. É o mínimo que se pode dizer, à medida que Marcos brande praticamente todas as armas literárias: a adaga do conto, a espada da parábola, a carabina da poesia, o canhão do humor, a pólvora da elegia assim como a metralhadora do post-scriptum ao revés. Assim, a literatura zapatista avança, para grande prazer nosso, sobre duas pernas: uma delas de madeira, poder-se-ia dizer, seca e séria; são os comunicados do EZLN. A outra, extravagante e terna: são os escritos do próprio subcomandante. É claro que se pode considerar o sub, como ele mesmo se apelida, bastante narcisista. É evidente que Marcos ergueu sua própria estátua, tanto quanto a das tropas que comanda, através de sua correspondência —destinada aos jornais, aos escritores mexicanos, a outros grupos revolucionários mexicanos, aos partidos políticos e mesmo às crianças que lhe escrevem para perguntar por que ele luta, e às quais ele responde: Façam um esforço para estudar história, sem ela tudo é inútil e destituído de sentido. Um escritor sensível, que escreve: Aqui as nuvens se deitam preguiçosamente nas saias da montanha. O sol é cinza claro e sonolento. O dia já é um murmúrio úmido que se arrasta pela lama e os espinhos. Um escritor justo, que arremete: Em suma, somos um exército de sonhadores e, por essa razão, somos invencíveis. Como não vencer com essa imaginação que a tudo supera? Um escritor de cartas suficientemente malandro e sutil para tirar de sua máquina de escrever palavras desse tipo: Percorri a parte externa de minha correspondência. Há de tudo: caricaturas, jogos de palavras, insultos, ameaças de morte e desafios a duelos. Eis os primeiros resultados: 97,8% das pessoas consultadas pensam que sou canalha; 2% pensam que não sou canalha, mas bastante palhaço; 0,02% não responderam. Em suma, um bom escritor. É disso que precisam todas as boas revoluções. Texto Anterior: Bispo de Chiapas vê risco em ação Próximo Texto: Exército mexicano inicia cerco a rebeldes Índice |
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