São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
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Perdoai-lhes, senhor, porque não sabem o que fazem...

ROBERTO CAMPOS

Políticos populistas fingem acreditar que lei salarial melhora o rendimento real
"As restrições ao capital estrangeiro diminuem o volume de investimentos
"As pessoas não sabem o mal que nos fazem com o bem que nos querem fazer"
(Almada Negreiros)
Há várias maneiras de prejudicar os pobres. Elas têm sido diligentemente utilizadas por pessoas e instituições, com intenções perigosamente boas.
Comecemos pela Igreja Católica. Sua opção pelos pobres tem sido uma opção pela pobreza.
De um lado, favorece a proliferação dos pobres, opondo-se a técnicas "artificiais" de controle da natalidade, que são as únicas realmente eficazes, pois a abstenção sexual nas épocas férteis não é esporte fácil nos trópicos.
De outro, contribui para a criação de uma mentalidade anticapitalista, pela suspicácia em relação ao lucro empresarial. Ora, como diz o chanceler alemão Helmut Schmidt, o lucro é o investimento de amanhã e o emprego de depois de amanhã. Não é uma secreção do egoísmo capitalista e sim o combustível para a geração de empregos.
A suspicácia em relação ao lucro capitalista é acompanhada de beócia tolerância em relação à eficácia social do Estado. Desmerece-se, consciente ou inconscientemente, a empresa que "visa ao objetivo do lucro". E há um viés favorável à empresa estatal que supostamente "cumpre uma função social".
A questão é que os gestores estatais raramente são seres altruístas, preocupados com a sorte dos pobres. Buscam uma forma especial de lucro: o poder, com suas mordomias e privilégios, sem a angústia da competição no mercado.
Uma segunda categoria perigosa pela sua capacidade de prejudicar os pobres é a dos políticos populistas. Estes insistem na votação de leis salariais, como se o mercado se regesse pelo "Diário Oficial" e não pela lei da oferta e procura.
Fazem comoventes discursos sobre a "vergonha" do salário mínimo e fingem acreditar que, decretado um aumento do salário nominal, melhorará automaticamente a renda real do trabalhador. Ora, não está em mãos do governo ou do Congresso determinar o salário real; o que podem influenciar é o nível de inflação ou de desemprego.
A legislação do salário mínimo é rigorosamente inútil. Se refletir as realidades da oferta e procura da mão-de-obra, será desnecessária. Se desajustada, será inócua pois que o mercado anulará os aumentos de três formas: (a) pelo repasse aos preços; (b) pela despedida do pessoal; (c) pela submersão no mercado informal, onde inexistem leis trabalhistas.
Não só a legislação é inútil como contraproducente. Se o mercado fosse livre, os aumentos poderiam ser graduais e frequentes, em resposta a reclamos do empregado e condições do mercado. E o desemprego seria menor. Como o governo fixa uma data para o reajuste, as empresas represam aumentos possíveis e tentam se acautelar aumentando os preços.
A legislação do salário mínimo é um embuste disfarçado de caridade. Muito mais útil foi o Plano Real, que fez com que o salário deixasse de se derreter como manteiga.
Quem se preocupa sinceramente com os pobres deve buscar, obsessivamente, elevar a demanda de mão-de-obra através de medidas como: 1) a privatização de empresas estatais, pois o governo falido perdeu a capacidade de investir; 2) a eliminação de restrições ao capital estrangeiro, que geraria empregos e traria tecnologia: 3) a diminuição dos encargos sociais e burocráticos, que oneram o custo da contratação de mão-de-obra.
Uma outra maneira de prejudicar as pobres é a exacerbação do poder sindical. Os sindicatos operários são uma criação do capitalismo (no socialismo os sindicatos são mera linha auxiliar da ideologia dominante), que exercem papel útil no balanço democrático. Mas eles são úteis sobretudo para defender e melhorar a situação dos já empregados. Paradoxalmente, podem ser cruéis para os desempregados, isto é, os mais pobres.
Frequentemente negam-lhes o direito de trabalhar, impondo pisos salariais que impedem as empresas de contratar mais gente. Na Inglaterra, anteriormente ao governo Thatcher, a maioria das empresas se subordinava ao sistema de closed shop; ninguém nelas entrava sem ser sindicalizado. Como as exigências dos sindicatos tornavam as empresas não-competitivas, várias delas, notadamente as de carvão, aço e automóveis, sofreram estagnação e encolhimento. Estas duas últimas só voltaram a se viabilizar quando foi quebrado o monopólio dos sindicatos.
Como diz Hayek, o poder sindical é essencialmente o poder de privar alguém de trabalhar aos salários que estaria disposto a aceitar...
As possibilidades de discriminação contra os pobres e desempregados são majoradas no Brasil pela dupla figura: a do sindicato único por categoria (que impede a implantação do modelo japonês, mais realista, de sindicato por empresa) e o imposto sindical, que é um tributo que alimenta uma poderosa burocracia sindical, independentemente de sua real utilidade para o trabalhador.
Também os patrões gostam do poder monopolístico e defenderam ferozmente, na fracassada revisão constitucional, o sindicato único patronal. Isso, para os defensores da livre iniciativa, é uma autêntica aberração.
No Brasil existem hoje poderosos sindicatos nas estatais de serviços essenciais. Abusam do direito de greve. Esta é um instrumento de balanceamento democrático pois a volúpia da greve é contrabalançada pelo receio do desemprego. Em nossas estatais o empregado é estável e os litígios se concluem pelo não-desconto de dias parados. O grevismo é passaporte para férias remuneradas. As empresas são prejudicadas pela interrupção ou inconstância dos serviços de gás, eletricidade ou telefonia, o que aumenta seus custos, diminui a eficiência da mão-de-obra e lhes prejudica a capacidade de gerar empregos.
Um dos mais perigosos inimigos dos pobres é o nacionalismo. Este rejeita o capital estrangeiro, sem mobilizar compensatoriamente a poupança nacional. As restrições ao capital estrangeiro e a criação de monopólios diminuem o volume global de investimentos que seria possível alcançar. Os sauros estatais —Petrossauro, Eletrossauro, Telessauro— não investem suficientemente e não deixam ninguém investir. Isso reduz a demanda de mão-de-obra e a oferta de empregos.
Os pobres e desempregados é que mais sofrem. Às vezes, a punição é rápida. Na Constituinte de 1988, geólogos nacionalistas conseguiram, através de intenso lobby, restringir a presença estrangeira na mineração, chegando até a falsificar mapas para demonstrar o roubo de nosso subsolo por estrangeiros. Declinaram dramaticamente os investimentos em pesquisa e o diploma de geólogo é hoje um passaporte para o desemprego.
O ideal é que esses diferentes personagens —Igreja, políticos, sindicalistas e nacionalistas— se esforcem menos por nos fazer o bem. Ficaríamos menos mal.

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