São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Esperanças e desconfianças em uma semana do novo Congresso

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A instalação de uma nova legislatura, a cada quatro anos, tem o condão de reforçar esperanças na conduta do órgão mais expressivo da realidade prática da democracia: o Congresso. A julgar, porém, pelas previsões do trabalho a realizar, a partir do dia 15, o Congresso Nacional está começando a sessão deste quatriênio sob a desconfiança do povo, apesar das muitas mudanças nos seus quadros.
Para justificar a desconfiança popular, preciso lembrar três textos constitucionais vigentes. Vou lembrá-los porque, embora constantes da Carta Magna, que outros congressistas votaram e aprovaram, não são cumpridos ou, pelo menos, foram grosseiramente desrespeitados pelos congressistas cujo mandato terminou no último dia de janeiro.
O balanço da legislatura encerrada demonstra que a função legislativa do Congresso para dispor sobre todas as matérias de competência do Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa (artigo 49, inciso 5º), foi ignorada por deputados e senadores. Não enfrentaram, com coragem e determinação, o preenchimento do vazio legislativo provocado por normas da Carta de 88. Não impediram os excessos do poder regulamentar do Executivo. Só o Judiciário, em parte dos casos, garantiu a sociedade contra os maiores excessos.
O terceiro dispositivo que me propus a recordar é o artigo 62, a cujo respeito os pecados congressuais foram graves. A Constituição permite que em casos de relevância e urgência (veja bem: só em casos de relevância e urgência) o presidente da República adote medidas provisórias, com força de lei durante os 30 dias de sua vigência. O dever (descumprido) do Congresso se divide em duas partes: verificar, primeiro, se o caso é de relevância e de urgência e, depois, examinar o mérito.
As centenas de medidas provisórias editadas nos últimos anos (mais de uma por dia, só em janeiro) foram muitas vezes irrelevantes, no conceito constitucional em que o termo deve ser interpretado e raramente foram urgentes. E, mais ainda: não votando o mérito o Congresso descumpriu sua missão essencialíssima. Há uma terceira parte: se a medida provisória não é transformada em lei em 30 dias, ela perde eficácia, como está no parágrafo único do artigo 62. Se perde eficácia é dever do Congresso disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes, obrigação que deputados e senadores também ignoraram.
A principal expressão política da prática democrática é o Congresso. Os deputados representam o povo e os senadores representam os Estados. Na impossibilidade do próprio povo manifestar, diretamente, sua vontade, salvo no plebiscito, no referendo e na iniciativa popular, essa manifestação se faz através de representantes que correspondem a um corte do conjunto da população. O Congresso é a instituição que espelha o povo ou deve espelhá-lo, tal como ele é.
Acontece, porém, que quando o Congresso não cumpre a Constituição, sobretudo por se mostrar desatento aos seus deveres essenciais, a sobrevivência de democracia corre perigo. Por isso nós todos, os brasileiros, temos a missão de cobrarmos dos congressistas, que agora começam a trabalhar, a rigorosa observação dos ditames de sua nobre função. Um novo Francisco Manuel Barroso da Silva precisa hastear no Congresso a velha mensagem: o Brasil espera que cada um cumpra o seu dever.

Texto Anterior: O ceticismo com a Previdência Social
Próximo Texto: Saúde testa pomada de veneno de abelha
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.