São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As repercussões do acordo do México

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

A crise do México e o pacote de ajuda financeira àquele país são ainda motivos de muita atenção e debate na comunidade internacional. O episódio trará outros desdobramentos, sendo conveniente discutí-lo.
O pacote de restauração financeira montado pelo governo Clinton para o México consiste em financiamentos de US$ 50 bilhões. Deste total, US$ 20 bilhões serão concedidos diretamente pelo governo norte-americano, sendo retirados do fundo de defesa do dólar, um fundo administrado pelo Executivo norte-americano.
Outros US$ 17,8 bilhões virão do FMI. Destes, US$ 7,8 bilhões já foram transferidos para a conta do Banco Central mexicano na segunda-feira. Por sua vez, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), dependendo da aprovação dos governos dos países industrializados, deverá conceder US$ 10 bilhões. Por fim, de US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões devem vir de governos latino-americanos.
A maior parte desses recursos será creditada sob a forma de moeda, permitindo ao México ultrapassar sua crise de falta de liquidez. O restante seria sob a forma de garantias sobre empréstimos.
O empréstimo pelo FMI foi aprovado na sexta-feira passada, mas sob os protestos de governos europeus. Alemanha, Inglaterra, Holanda, Bélgica, Suíça e Noruega abstiveram-se de votar a aprovação do empréstimo na reunião do FMI, objetando que o pacote foi apresentado como um "fait accompli" e com muito pouca consulta prévia.
O aspecto complicado da atual crise é que muitos administradores de fundos de pensão nos países industrializados estão assustados com a crise. O que deve ocorrer em seguida é que muitos destes investidores deverão sair do mercado mexicano tão logo a situação permita (isto é, à medida que o Banco Central mexicano tenha dólares em caixa para autorizar repatriamento de capitais).
Em uma conferência organizada pelo Centro de Estudos Internacionais da Universidade de Harvard (EUA), na última segunda-feira, o diretor de um grande fundo de investimentos (que pediu anonimato) disse que, com a crise mexicana, há uma nova definição para mercados emergentes, "aqueles mercados dos quais não se pode emergir em uma emergência".
A avaliação é que pelo menos os fundos de pensão devem se retrair dos mercados emergentes.
Ainda preocupados com a crise mexicana, os ministros da Fazenda dos sete países mais industrializados (o G-7) estiveram reunidos no final de semana. Concluiram que o FMI deve aumentar sua "vigilância" sobre a economia mundial. O propósito é ter um sistema de sinais prévios que indique se algum país está caminhando para uma crise cambial.
O presidente do Banco Central alemão, Hans Tietmeyer, fez saber que espera que tal tipo de empréstimo do FMI não se repita. Ademais, ele diz ter tirado quatro lições da crise.
1 - Moedas tais como o peso mexicano somente devem ser amarradas a uma outra divisa mais forte, como o dólar, se as políticas econômicas domésticas estiverem sólidas e permitirem tal ancoragem.
2 - Os governos devem evitar tomar dívidas em moeda estrangeira ou indexadas a moedas estrangeiras.
3 - A vigilância internacional das economias deve ser intensificada.
4 - A comunidade internacional não deve criar novos fundos para assistir países tais como o México, pois isto pode levar a um problema moral (moral hazard), dando incentivo a outros países para que sigam políticas imprudentes, na expectativa de que o G-7 irá salvá-los.
Edmond Alphandéry, ministro da Economia da França, defende um ponto de vista oposto: a criação de um fundo especial junto ao FMI, que poderia adiantar grandes somas de moeda, com rapidez, para economias ameaçadas por saídas especulativas de capital. Com tal fundo, haveria um fator dissuasório para evitar estas saídas.
No meio da semana, Michel Camdessus, diretor executivo do FMI, declarou que planeja o estabelecimento de um sistema de vigilância para economias em "convalescença", a fim de evitar novas surpresas.
E comentou que pode pensar em uma lista de dez economias que podem ter problemas sérios este ano. Embora ele não tenha dado os nomes, o "Financial Times" especula que países como a Argentina, Brasil, China, Hungria, Tailândia, África do Sul, Itália, Suécia e Canadá são candidatos à lista.
O fato é que o pacote de ajuda ao México não é aceito por muitos como correto. O argumento a favor da ajuda foi o de que era necessário evitar um pânico maior (o que "secaria" os fluxos de capitais privados) e reforçar a credibilidade dos países empenhados em reformas.
Mas o respeitado "Financial Times" contra-argumenta em editorial no último dia 8 que tal ajuda é contraproducente, pois "substitui o capital privado por recursos oficiais, oferece um seguro implícito aos fluxos de capitais privados, tornando mais prováveis práticas financeiras privadas não-sólidas e, mais importante, indica uma falta de confiança na capacidade autocorretiva do mercado".
O episódio mexicano abalou convicções. Muitos estimularam (e ganharam dinheiro) os fundos especulativos. O governo mexicano sentiu a irresistível atração de viver folgadamente no curto prazo, deixando o dinheiro emprestado ser gasto em consumo privado.
O próprio governo norte-americano foi pego de surpresa, não tendo previsto que o acordo de integração comercial e financeira do Nafta exigiria mecanismos de coordenação mais estreitos.
No atual cenário de preocupação e exame de consciência, o recomendado é evitar cair em uma situação vulnerável. Neste sentido, o governo brasileiro deveria começar a flexibilizar a política cambial mais cedo. Está na hora de permitir que, através de uma banda cambial flutuante ascendente, a taxa de câmbio possa ir sendo puxada para cima.

Texto Anterior: Captação também tem perda
Próximo Texto: Problemas vêm de fora
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.