São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
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O jumento oficial

Descubro uma solução óbvia para o jumento adquirido no governo de Orestes Quércia
Marcos Augusto Gonçalves
Morava em Milão e, numa tarde primaveril, fui visitar a feira do Naviglio. Os "navigli" são canais que ainda permanecem na cidade. No passado chegavam ao centro. Ajudaram a transportar as pedras que ergueram o Duomo.
Hoje, a área dos "navigli" é um bairro boêmio. Lembra um pouco o clima de Santa Teresa, no Rio, com toques do Embu, de São Paulo. Ateliês, gente de barba, artesanato duvidoso, restaurantes bonitinhos, muitos para turistas, e uma ou outra coisa realmente interessante.
A feira é um acontecimento. Um mercado à la Portobello. Peças cobiçáveis, antiquidades, roupa e bugigangas em geral. Pois bem, passeio pela feira e, a todo instante, recebo um panfleto. Era época de eleições municipais. Milano ia eleger sua nova junta e seu novo prefeito.
Muito ativos na cidade, os partidos verdes se multiplicavam. Divididos em correntes, brigavam entre si e tentavam disputar seus eleitores. Uma das correntes mais curiosas chamava-se —talvez já esteja em extinção— "animalista". Os animalistas eram, como o nome indica, ferrenhos defensores dos animais. Gente que entra num jardim zoológico como se estivesse pisando em Auschwitz.
Aproximava-me do final da feira quando avistei um ruidoso grupo desses animalistas panfletando. Um deles, vestindo máscara de jumento e mortalha, aproximou-se, papelzinho em punho. Disse que era estrangeiro e não votava. "Di dove sei?" "Brasiliano". Pronto. Perguntas sobre a Amazônia, a queima de florestas, os esquadrões da morte. Pacientemente, respondi sobre os problemas do país, mas não sem deixar de revelar minha —insincera— surpresa pelas dificuldades que os italianos têm de controlar a Máfia e de plantar árvores em Milão.
E, olhando aquela ridícula máscara de jumento, perguntei do que se tratava. Veio a explicação: estavam preocupados com a extinção dos jumentos. Havia pouquíssimos na Europa. Ainda me refazia da consternação quando veio a pergunta: "Há muitos jumentos soltos no Brasil?"
Bem... O que dizer? "Muitos, muitos. Soltos, presos e até no governo". Soltei a blague e saí andando.
Agora descubro —e que felicidade não traria tal notícia para o animalista lombardo— que, efetivamente, há um jumento no governo de São Paulo. Claro que não me refiro a nenhum político: falo do jumento mesmo, aquele que, segundo a Folha do último domingo, foi adquirido no período Quércia como reprodutor —mas nunca deu conta da tarefa.
O coitado acabou abandonado e foi parar num certo Sítio Pardal, onde causa transtornos ao agrônomo José Roberto Vita.
Ora, tenho uma solução óbvia para o caso. Com o intuito de estreitar os laços ítalo-brasileiros que unem São Paulo e Milão e reafirmando as relações de cidades gêmeas, o governo paulista deveria doar o jumento para a capital da Lombardia. Ficariam todos felicíssimos —do animalista ao animal.

Marcos Augusto Gonçalves é editor da Revista da Folha

Ilustração: Jumento comprado em 90 pelo governo do Estado de São Paulo; foto de Pierre Duarte.

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