São Paulo, quarta-feira, 15 de fevereiro de 1995
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Livro faz a gênese das músicas de Gilberto Gil

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando decidiu compor "Aquele Abraço", em 1969, Gilberto Gil não tinha nenhum violão por perto.
O cantor acabara de deixar a prisão do Realengo, no Rio, e se preparava para sair do país. Iria amargar três anos de exílio em Londres.
Antes de partir, desejava escrever um samba de adeus, que sintetizasse as emoções daqueles tempos difíceis e exercesse um efeito catártico.
Rabiscou os primeiros versos em pedacinhos de papel —guardanapos, talvez. Na falta do violão, fez a melodia de cabeça. Mentalizou os sons lentamente. Dedilhou um instrumento imaginário.
Hoje, quase três décadas depois, acha que a necessidade de guardar as notas na memória acabou tornando o samba "muito simples". "Aquele Abraço" ficou com uma estrutura melódica "singela, de blues".
São histórias como essas que estarão no livro "As Letras Completas das Canções de Gilberto Gil". O jornalista Carlos Rennó, 39, organiza o volume desde dezembro.
O projeto, ambicioso, pretende reunir as letras de todas as composições que o cantor já assinou, em parceria ou não.
Também pretende revelar como nasceram algumas das músicas —quais as motivações políticas, autobiográficas ou estéticas que geraram versos famosos de Gil.
Com aproximadamente 420 letras (e nenhuma partitura), o livro incluirá canções que aparecerão no próximo disco do compositor.
Vai trazer, ainda, músicas inéditas. Uma é especialmente curiosa. Nasceu nos anos 80 e homenageia o Corinthians (leia texto abaixo). Outra fala de Estrela, filha do poeta paranaense Paulo Leminski.
Fotos que compõem o arquivo particular de Gil deverão ilustrar o volume, junto com reproduções de manuscritos do cantor.
O livro explicará como surgiram 50 das 420 letras. Quem as seleciona é o próprio Gil.
Depois de conversar com o compositor, Rennó produzirá textos de no máximo 60 linhas sobre as músicas. Vai escrevê-los em primeira pessoa, como se fosse o cantor. Os dois já gravaram 15 horas de papo.
Nem sempre o compositor sabe de onde tirou as letras. Rennó conta que, quando conversaram sobre "Pessoa Nefasta", Gil teve dificuldade de precisar para quem fizera a canção.
Dizia que não pensara em ninguém especificamente, que talvez a música se referisse à categoria dos "políticos nocivos".
"Achei que havia algo mais", lembra Rennó. "E perguntei se a letra não guardava nenhuma relação com um assalto de que Gil fora vítima no início dos anos 80, época em que fez 'Pessoa Nefasta'. Ele então percebeu que sim, que possivelmente aquele trágico episódio o influenciara."
O jornalista afirma que, às vezes, Gil compõe rapidamente. "Move-se por ímpetos criativos, surtos de inspiração." A música "Você e Você", por exemplo, custou-lhe menos de 30 minutos.
Outras vezes, trabalha muito nas letras, substitui palavras, reescreve versos inteiros. É o caso de "Realce", que demorou três meses para ficar pronta. "Gil gastou noites de reflexão e relaxamento concentrados, como costuma dizer."
O livro de Rennó deverá chegar ao mercado no fim do ano. A Companhia das Letras vai editá-lo.
O projeto se baseia em obra semelhante do compositor norte-americano Ira Gershwin, publicado na década de 50.

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