São Paulo, quarta-feira, 15 de fevereiro de 1995
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Soft cria mundo de oportunidades

BILL GATES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os Estados Unidos já foram chamados de terra da oportunidade e, quando se trata de software, é verdade.
Isso se vê pelas estatísticas. De dez anos para cá, a indústria de software para computadores é a que mais rapidamente vem crescendo nos EUA, tendo se expandido num ritmo quase dez vezes superior ao resto da economia.
Três quartos das vendas mundiais de software pré-embalado, como processadores de texto e jogos para PC, saem dos EUA.
Mas nada garante que essa vantagem será mantida. À medida que o mercado se globaliza, os fabricantes de software de outros países encontram oportunidades de reduzir boa parte da distância que os separa dos EUA.
A revolução dos programas para computadores pessoais é um tributo ao sistema de livre mercado. Essa revolução foi desencadeada pelo espírito empresarial empreendedor norte-americano.
O êxito norte-americano no setor dos software não foi fruto de qualquer talento superior. Excelência é uma coisa encontrada por toda parte. Os engenheiros americanos, por exemplo, não são melhores do que os engenheiros de outros países.

Sem incentivos
O êxito norte-americano não resultou de enormes investimentos empresariais. A indústria de software para microcomputadores não derivou ou se beneficiou do programa espacial ou da indústria de defesa. Francamente, ninguém achava que o software fosse tão importante assim.
O êxito norte-americano com software não resultou de quaisquer medidas deliberadas tomadas pelo governo. Não houve incentivos fiscais especiais. Não houve regulamentação para administrar a concorrência ou impor padrões. Isso acabou sendo uma boa coisa. Comitês e reguladores não conseguem tomar decisões tão eficientes quanto aquelas tomadas por um mercado realmente competitivo.
O governo norte-americano fez a coisa mais importante: protegeu os direitos de propriedade intelectual. A indústria de software para PC jamais poderia ter nascido num país que tolerasse o roubo em grande escala de material com copyright.
Tudo que a indústria embrionária de software precisava para deslanchar estava presente na tessitura dos valores e das instituições americanas.
Os americanos gostam de fazer apostas. Capitalistas com espírito empreendedor investem milhões de dólares em coisas cujas chances de dar certo são remotas. Meu amigo Craig McCaw fomentou nos mercados financeiros a idéia de que um assinante de telefone celular valia uma certa quantidade de dinheiro. A McCaw Cellular perdeu dinheiro ano após ano, numa base contábil, mas quando o número de assinantes cresceu muito, Craig atraiu investimentos enormes e no fim vendeu sua companhia à AT&T por bilhões de dólares.
Os americanos também apostam suas carreiras. Pessoas de grande talento abandonam seus empregos seguros para tentar concretizar seus sonhos ou trabalhar em companhias minúsculas que tenham grandes idéias. A cultura americana celebra o trabalho e o espírito empreendedor, mesmo quando ele acaba em derrota. A atitude americana em relação ao fracasso é: "tente outra vez".
Foram atitudes como essas, cheias de garra e coragem, que ajudaram a botar fogo no mercado de software para PC. A comunidade cada vez maior de consumidores realmente exigentes atiçou as chamas.
Por exemplo, os consumidores exigiram processadores de textos que tivessem revisor ortográfico —mesmo em documentos escritos em diferentes línguas. Eles pediram —e por isso conseguiram.
À medida que o mercado norte-americano de software crescia, os serviços de apoio também iam amadurecendo. Advogados foram ganhando experiência com a legislação referente à propriedade intelectual, designers gráficos criaram embalagens inovadoras e criadores de software assistiam conferências ou usavam serviços on line para manterem contato com colegas.
Mas a vantagem de se estar no mercado norte-americano está começando a diminuir. Hoje o mercado global está tomando o lugar do mercado norte-americano e é o único que realmente importa.
As redes computadorizadas estão interligando o mundo, rompendo os muros que separam as comunidades internacionais. Hoje empresas de software em San Juan e San Remo podem competir em pé de igualdade com outras em San Francisco e San José.
Empresas em muitos continentes podem acionar notícias referentes à indústria, dados sobre marketing e informações técnicas em CD-ROM e nos serviços on line que hoje alcançam boa parte do mundo. Mais computadores e software poderosos estão facilitando e barateando a produção de trabalhos audiovisuais de vários tipos.
À medida que a economia da informação evolui, o mundo ficará repleto de conteúdo digital criado por milhares —e com o tempo, milhões— de empresas e pessoas.
Empresas de software estão surgindo por toda parte, e estão se dando bem. A EduSoft, em Israel, exporta software educativos para a Europa e a América Latina e está fazendo bons negócios.
A empresa francesa Prologue exporta software para toda a Europa e a América do Norte. E a Sap, gigante alemã do software, é grande exportadora para os Estados Unidos, entre outros lugares.
Na Austrália, França, Japão e uma dúzia de outros países, os mercados de software hoje diferem apenas nos detalhes. Isso reflete a crescente homogeneidade de um mundo cada vez menor, no qual as oportunidades estão mais bem distribuídas do que há alguns anos atrás.
Não me entendam mal. Os EUA ainda são a terra da oportunidade e acho que isso não vai mudar. Mas cada empresa de software, em cada país que fomenta a livre concorrência e protege os direitos de propriedade intelectual, hoje faz parte de um mercado mundial mais amplo.
É o mundo da oportunidade. E isso é bom para todos.

Cartas para Bill Gates, redigidas em inglês, devem ser enviadas aos cuidados de Folha de S.Paulo, caderno Informática, pelo correio —al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01201-001, São Paulo, SP—, ou pelo fax (011) 223-1644. A correspondência pode também ser enviada diretamente a Bill Gates no endereço eletrônico askbill microsoft.com.

Tradução de Clara Allain

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