São Paulo, quarta-feira, 15 de fevereiro de 1995
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Governo e Cruz Vermelha trocam acusações

PHIL DAVISON
DO "THE INDEPENDENT", EM SAN CRISTÓBAL DE LAS CASAS

Anteontem, enquanto os guerrilheiros zapatistas se reagrupavam na selva do estado meridional de Chiapas e seu líder, o subcomandante Marcos, lançava farpas contra o governo, o Exército mexicano entrou em conflito com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha Internacional.
Um general do Exército mexicano acusou uma delegada da Cruz Vermelha na região de "instigar os camponeses indígenas à revolta", enquanto a organização humanitária se queixava de ter o seu acesso à zona em conflito impedido e expressava preocupação com o destino de milhares —possivelmente dezenas de milhares— de refugiados na área.
O delegado-chefe da Cruz Vermelha Internacional no México, Claudio Baranzini, disse ao "The Independent" que as acusações feitas à delegada em questão, de nome Herrmann, resultaram de um mal-entendido.
Baranzini afirmou temer pelas vidas de mulheres, crianças e velhos que fugiram para a selva quando o Exército mexicano penetrou em áreas antes sob controle dos guerrilheiros, durante o último final de semana.
Baranzini foi barrado num posto de controle do Exército na cidade de Altamirano, no domingo, quando tentava averiguar a situação dos refugiados e os relatos dando conta de que o Exército estava cometendo um "genocídio", bombardeando a selva e "espancando e estuprando" civis.
Ele suspendeu a operação da Cruz Vermelha Internacional em Guadalupe Tepeyac —reduto da guerrilha até a chegada do Exército, na sexta-feira passada— "porque o Exército tomou posse da clínica local e portanto não temos condições de trabalhar num clima de neutralidade".
O general Ramon Arrieta, comandante dos pára-quedistas que dominaram Guadalupe Tepeyac, disse a repórteres levados à área em helicóptero, numa viagem organizada pelo Exército, que "essa mulher (a delegada Herrmann) estava agindo como se este lugar inteiro fosse responsabilidade dela, achando que a população deveria obedecê-la. Ela os estava incitando à rebelião, para que tivessem medo de nós".
Baranzini explicou que Herrmann havia apenas tentado garantir a segurança de mais de 200 idosos, mulheres e crianças que se haviam reunido na clínica local em busca de proteção da Cruz Vermelha Internacional.
Ele disse que Herrmann está agora em San Cristobal de las Casas e que a operação da Cruz Vermelha em Guadalupe Tepeyac havia sido suspensa e que ele não tinha idéia do que acontecera aos civis em questão.
O general Arrieta afirmou haver detido dois norte-americanos na cidade, que segundo ele se faziam passar por jornalistas mas não o eram. Seus nomes seriam Robert Trenen e Ruben Cardoso.
Indagado se a detenção dos dois norte-americanos não poderia complicar as relações mexicanas com os Estados Unidos, o general respondeu: "Assumo responsabilidade total. Acredito que eles estavam incitando a população à desobediência e à rebelião".
Os dois norte-americanos foram libertados mais tarde e chegaram a San Cristobal, dizendo que eram de fato jornalistas free-lancers e negando as acusações feitas pelo general.
Depois que o presidente do México, Ernesto Zedillo, decidiu a investida contra a guerrilha, na semana passada, o Exército parece haver tomado a maioria das cidades e povoados que estavam nas mãos do EZLN (Exército Nacional de Libertação Zapatista) há cerca de um ano.
Mas acredita-se que os guerrilheiros, estimados em alguns milhares e que possivelmente estejam acompanhados por milhares de simpatizantes civis, tenham se deslocado em direção nordeste, atravessando os rios Colorado e Jatate, rumo às chamadas Montanhas Azuis, onde o acesso só é possível a pé ou a cavalo.
Anteontem o chefe guerrilheiro subcomandante Marcos emitiu sua primeira declaração desde que o presidente Zedillo ordenou o ataque a suas forças.
Como sempre, foi redigida em linguagem burilada, às vezes poética e às vezes irônica. "Nós somos os zapatistas, o povo pequeno, os sempre esquecidos, os milionários em promessas não-cumpridas", escreveu o dirigente.

Tradução de Clara Allain

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