São Paulo, sábado, 18 de fevereiro de 1995
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Ampliar as reformas

JOSÉ GENOINO

O conjunto das emendas da reforma da Constituição que o governo envia, aos poucos, ao Congresso, tende a ficar muito aquém das expectativas, tanto na abrangência como no conteúdo. As emendas refletirão o principal problema político do governo: uma base parlamentar heterogênea, cuja fração mais conservadora e fisiológica domina o Congresso. O governo mostra-se cada vez mais sensível a essa base, que vem impondo recuos no projeto de reforma constitucional. Mostra-se também suscetível à pressão dos governadores, que já impuseram restrições à reforma tributária.
Desta forma, pelo andar da carruagem governamental, o presidente Fernando Henrique, apesar de suas reiteradas manifestações reformistas, não conseguirá impor nem meia-sola na reforma do Estado. A reforma do Estado não se reduz a mudança no capítulo da ordem econômica, nem à reforma da Previdência e à mudança de alguns impostos. A reforma do Estado, realmente necessária, além dos pontos citados, deve abranger a revisão do pacto federativo, a modernização da estrutura administrativa do Estado e as reformas democratizadoras das instituições políticas. Aliás, nesta última área, o governo nem sequer tem manifestado intenção de apresentar emendas.
Com efeito, não haverá reforma do Estado —se não quisermos transformar o discurso sobre esse conceito em demagogia— sem mudar a representação dos Estados na Câmara, sem rever a imunidade parlamentar, sem reformar o Judiciário e o Legislativo, sem restringir o uso da medida provisória, sem acabar com a possibilidade de utilização das Forças Armadas para conter conflitos sociais etc.
E como falar em reforma tributária se os sinais emitidos até agora permitem concluir que o governo pretende apenas modificar e agregar alguns impostos? O sistema tributário no país é perverso, regressivo e concentrador de renda. Isto significa que o Estado age para beneficiar as elites econômicas e que não cumpre sua função de prover as necessidades sociais e reduzir as desigualdades. O comprometimento do Estado com os interesses do setor privilegiado da sociedade retira-lhe também a condição de mediador dos conflitos e indutor de soluções.
No que diz respeito à reforma patrimonial, o governo corre o risco de provocar mudanças que não definem claramente a função da esfera pública na parceria com a iniciativa privada, não democratizando o acesso da população aos serviços. Esse risco está implícito quando o governo propõe concessões à iniciativa privada, sem apresentar critérios que evitem a formação de novos monopólios e sem garantir ao Estado o papel de fiscalizador da prestação desses serviços.
Para concluir, pode-se dizer que o presidente Fernando Henrique está diante do dilema de manter-se fiel ao discurso reformista da campanha eleitoral ou de ceder aos interesses conservadores e fisiológicos de parte de sua base parlamentar, o que o levará a apresentar uma aparência de reforma do Estado. Infelizmente, parece que a tendência mais forte é a segunda. Cabe à oposição reformadora propor a ampliação das reformas e cabe à sociedade cobrar as promessas e a coerência.

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