São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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Férias mostraram as insuficiências na proteção do consumidor

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O aumento do consumo, em consequência das mudanças da economia brasileira no último semestre, é conhecido de todos, como foi destacado no curso da semana, apesar das dúvidas provocadas, entre outros, pelo México. As consequências jurídicas da mudança não despertaram suficiente atenção e, por isso, inspiraram este comentário.
Vale a pena lembrar —pois já tratei do assunto— que a Carta de 88 é a primeira a dar atenção às relações de consumo, pela razão histórica de que passaram a ter outro significado na segunda metade do século. As férias de fim de ano e a moeda estável acentuaram, sob muitos aspectos, a explosão consumista em 94/95.
Um dos deveres essenciais do Estado brasileiro é promover a defesa do consumidor, como se lê no inciso 32 do artigo 5º da Constituição. E, com o constrangimento próprio da condição de operário do direito, digo que o primeiro desses deveres foi cumprido fora do prazo. O artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispunha sobre a obrigação do Congresso de, em 120 dias, a contar de 5 de outubro de 1988, elaborar o código de defesa do consumidor. Contudo, o código só entrou em vigor em março de 1991, com dois anos de atraso, depois publicado em setembro de 1990.
Esquecido o primeiro descumprimento, verifico que o Estado, ou seja a Nação organizada, também não observa a finalidade da ordem econômica de assegurar a todos vida digna, conforme os ditames da justiça social, o que inclui a defesa do consumidor. Não observa o dever legislativo de determinar medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. Pense, leitor: você se sente esclarecido a respeito dos tributos incidentes sobre cada produto ou serviço adquirido?
Nos últimos 60 dias constaram-se aos milhões os brasileiros em férias. Muitos viajaram para o exterior. Outros pelo Brasil, dentro de seus próprios Estados ou fora deles. Consumiram mercadorias. Frequentaram hotéis. Utilizaram serviços de transporte aéreo, terrestre, fluvial. Não há estatística para saber quantos, nesse rol, foram vitimados por maus fornecedores. Muitos correram por estradas mal conservadas, atrapalharam-se em confusos serviços aeroportuários. Sofreram desinformação sobre os produtos, até pela publicidade enganosa.
As férias introduzem, na relação de consumo, o elemento da novidade para os que viajam. No dia-a-dia da vida normal, o consumismo tem caráter mais ou menos estereotipado, com a criação de hábitos decorrentes do conhecimento das fontes de fornecimento. Nas férias —e especialmente nas viagens— o consumidor dramatiza, no ambiente estranho, a insuficiência da proteção constitucionalmente garantida.
A quantificação exagerada dos consumidores era impossível de prever em curto prazo. A disponibilidade de meios, antes do real, era compatível com a minoria reduzida que tinha condições de consumir com relativa folga. O quadro negro das deficiências cresceu, aos olhos de todos, quando muitos outros puderam dedicar-se ao consumo, enquanto grande vício da modernidade, de coisas e bens úteis e inúteis. As férias mudaram o panorama do consumo: puseram a claro nossas muitas deficiências. Agora, toca a superá-las. Sem inflação.

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