São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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A aventura de Louis Pasteur

MALEN RUIZ DE ELVIRA
DO "EL PAÍS"

O movimento da comunidade científica internacional para enfrentar novas doenças coincide com uma importante data: os 100 anos da morte do pai da microbiologia moderna, Louis Pasteur.
Ele enfrentou duas dificuldades para realizar uma das mais importantes descobertas do século —a de que microorganismos existem.
Além das dificuldades técnicas —instrumentos precários, más condições de trabalho— ele precisou vencer a resistência do pensamento dominante da época.
Na França, no século 19, cientistas e filósofos se engalfinhavam em torno de uma questão vital: era fato a geração espontânea, a vida surgida da não-vida?
Em 1858, Félix-Arquímedes Pouchet, do Museu de História Natural de Rouen, afirmou a existência de proto-organismos vegetais e animais nascidos espontaneamente no oxigênio gasoso.
Naquela época efervescente, Pasteur já havia passado da cristalografia, seu estudo inicial, ao estudo da fermentação no leite.
E havia feito a descoberta do século: existiam micróbios, formas de vida invisíveis que, como descobriu pouco depois, não apenas produziam queijo ou vinho mas também causavam graves doenças, como a febre tifóide que matou uma de suas filhas.
Mas de onde saíam esses micróbios? Pasteur procurou descobri-lo e assim se viu envolvido na histórica polêmica.
Como em tudo que fazia, aplicou o método experimental, sem se deixar influenciar por sentimentos religiosos, éticos ou morais.
As experiências com fermentação e geração espontânea foram uma boa desculpa para liberar seu instinto artístico: tomava redomas e tubos de ensaio de vidro, colocava dentro deles algodões que haviam sido expostos ao ar de Paris por várias horas e depois os fechava com belas formas curvas.
E os microorganismos —leveduras, fungos, bactérias— se multiplicavam até tornar-se visíveis. Alguns desses curiosos recipientes podem ser vistos hoje em sua casa, transformada em museu, que lhe foi alocada quando o Instituto Pasteur foi construído em Paris.
Pasteur foi enterrado na própria casa, numa cripta situada abaixo da construção principal, porque sua mulher, muito religiosa, não permitiu que fosse enterrado no laico Panteão de Homens Ilustres.
Enquanto isso, centenas de pesquisadores à sua volta procuram manter vivo o espírito pasteuriano que tanto influenciou a França do século passado.
Os trabalhos de Pasteur são considerados um monumento à ciência experimental e a origem da técnica microbiológica moderna, embora ele estivesse tão certo de seus resultados que disse: "Estas pesquisas não são mais do que uma digressão forçada de meus estudos sobre as fermentações".
"Em poucos meses, Pasteur conseguiu demonstrar que a poeira contém microorganismos sempre prontos a se desenvolver e se multiplicar", escreveu seu neto e biógrafo Pasteur Valléry-Radot.
Além disso, Pasteur mostrou o princípio da esterilização: "Os líquidos mais putrefatos, quando esquentados a uma temperatura suficiente e deixados ao abrigo desses microorganismos, permanecem inalterados indefinidamente".
Pasteur demonstrou tudo isto com um globo de vidro repleto de água de levedura açucarada, no qual fez um gargalo fino e curvo, sem fechar a extremidade.
Depois esquentou o globo até o ponto de ebulição, por vários minutos. O líquido permaneceu inalterado durante vários meses, até que o globo foi inclinado para fazer passar a seu interior as partículas com os micróbios, retidas nos primeiros centímetros da curva.
Para demonstrar que existem mais germes em alguns lugares que em outros, Pasteur lançou dezenas de globos em diferentes locais e alturas.
Ele pôs fim à polêmica com uma frase lapidar: "A geração espontânea é uma quimera; cada vez que alguém acredita nela, incorre em erro".
Então voltou a suas experiências de fermentação, e depois àquelas que o levaram —juntamente com seus colaboradores— a produzir as vacinas, a primeira das quais contra a temida raiva.

Tradução de Clara Allain

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