São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 1995
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A espécie sem origem

DALMO MAGNO DEFENSOR
ESPECIAL PARA O TV FOLHA

Na fauna das novelas, é comum encontrarmos o "empresário vilão". A espécie possui exemplares notáveis, como o paleolítico Pedro Barros, de "Irmãos Coragem" (o fóssil foi redescoberto), a odiosa Odete Roitman de "Vale Tudo", e o judas-de-plantão Raul Pelegrini, de "Pátria Minha".
Geralmente, o indivíduo é de meia-idade, está no auge do poder no início da trama, e parece ter parte com o diabo, o qual, por força desse convênio espúrio, amassa o pão consumido pelos "mocinhos" da história.
Sacana até a medula, o reaça só comete atos ilegais, imorais ou politicamente incorretos. Vive misturando vida profissional com particular, o que torna um enigma o fato de haver conseguido enriquecer. Tem centenas de funcionários, mas cuida pessoalmente de cada negocinho, raramente delegando poderes.
Eventualmente comunica suas sandices à diretoria da empresa, composta de meia dúzia de velhinhos, que apenas meneiam as cabeças ou dizem "ahs" e "ohs" em coro, e andam juntos o tempo todo.
Na verdade, o vilão não se parece com empresário nenhum: nada de negociar acordo coletivo, bradar pelo "enxugamento da máquina", discutir planejamento estratégico, participar de concorrência, mandar brindes de Natal, explicar que "estamos apenas repassando aumentos de custos", colaborar em campanhas humanitárias, ou mesmo fazer coisas feias como cobrar ágio e driblar o fisco.
Tampouco exercita a criatividade em discursos inter pares, fazendo benvindas citações a "Podres Poderes", do Caetano, ou proferindo pérolas como "o empresário é, antes de tudo, um forte" (ouvi ambas, na vida real).
Meu, esses caras não existem.

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