São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 1995
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Não basta o ajuste do setor público

DEMIAN FIOCCA

Está bastante claro que a crise mexicana deveu-se à administração inconsistente da política de câmbio e comércio exterior daquele país. As iniciativas do governo brasileiro face ao novo cenário internacional são tímidas e, em alguns aspectos, questionáveis.
Os benefícios tributários e financeiros aos exportadores não são capazes de contrabalançar no longo prazo a enxurrada de importações criada com a valorização do câmbio e a redução das tarifas de importação. E a razão é clara.
Para a economia mundial, vender ao Brasil, por exemplo, US$ 20 bilhões a mais ao ano não é um grande desafio. Mas criar aqui, por meio de incentivos, indústrias exportadoras que adicionem às vendas ao exterior US$ 20 bilhões no mesmo período é praticamente impossível.
O expediente de estímulo às exportações vem sendo utilizado na Argentina há anos e com alto custo. Mesmo assim, sua balança comercial passou, em números redondos, de um superávit de US$ 4 bilhões em 1991 para um déficit de US$ 6 bilhões em 1994.
No Brasil, a recente evolução do déficit externo corresponde ao crescimento do consumo e dos investimentos privados. O ajuste fiscal é de fato necessário. Mas não é o déficit público a causa dos desequilíbrios externos. E o ajuste fiscal não é capaz de corrigir uma política exterior mal conduzida.
Para compensar o excesso de importações, o governo procura atrair capital financeiro com os elevadíssimas taxas de juros atuais. E o custo desses juros para a União —da ordem de R$ 20 bilhões ao ano, ou quatro vezes o alegado custo de elevar o salário mínimo a R$ 100— é o principal responsável pelo déficit público (estimado em US$ 12 bilhões para 1995). No Brasil, são os constrangimentos externos que impulsionam o déficit público, e não o contrário.

México fez o ajuste fiscal
Na tentativa de endossar a qualquer custo o tipo de política econômica adotada no México, e talvez negar que foi um erro valorizar rapidamente o real, houve quem atribuísse ao déficit público a causa do desequilíbrio externo. Mas essa tese não se sustenta.
O déficit público foi duramente combatido no México. Ao longo dos últimos anos, o governo conteve os salários do funcionalismo e as pensões e levou adiante um agressivo programa de privatizações, reduzindo de 1.155 para 217 as empresas estatais do país.
Assim, o orçamento foi superavitário, enquanto o déficit externo batia recordes. Segundo o relatório anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento, os gastos públicos do México caíram de 35% do PIB em 1988 para 21% em 1993; o país teve superávits fiscais de 1,8% do PIB em 1991, 3,4% em 92 e 0,2% em 93.
Para 1994, a "The Economist" estima um déficit público de apenas 0,5% do PIB, contra um déficit corrente no balanço de pagamentos de quase 9% do PIB. Não foi o descontrole do setor público o responsável pela "débâcle" mexicana.
Mesmo que se possa questionar de algum modo as estatísticas daquele país (que são auditadas pelo FMI e abertas à fiscalização dos bancos credores internacionais), não há como supor que, em vez de superávits fiscais, tenham ocorrido déficits públicos da magnitude dos déficits externos.
Até a crise de dezembro, a economia mexicana era estável, o país recebia pesados investimentos externos e estava em processo de integração ao maior mercado consumidor do mundo. Mesmo com todos esses estímulos, o país cresceu apenas 2% ao ano desde 1992. Esse fraco desempenho em condições tão favoráveis nega frontalmente a idéia de que existia um grande déficit público impulsionando a economia. Não havia.

A taxa de câmbio
Desde o início do ajuste mexicano, em 1988, a taxa de câmbio foi corrigida abaixo da inflação. Além disso, as tarifas de importação (que igualmente afetam os termos de troca com o exterior) foram reduzidas aceleradamente em virtude do Nafta.
Foram esses estímulos que geraram um rápido crescimento das importações, que passaram de US$ 12 bilhões em 1987 para US$ 50 bilhões no ano passado. Quem liderou esse movimento foi o setor privado, que importa com avidez quando o câmbio e as tarifas são muito favoráveis. As importações do setor público são pouco sensíveis à taxa de câmbio.

Juros versus tributação
A catástrofe mexicana deixa como lição para o Brasil que não se deve persistir em políticas de câmbio e comércio que gerem crescentes déficits correntes no balanço de pagamentos. Esse tipo de erro é fatal, por mais que —como no México— se cortem profundamente os gastos públicos ou —como na Argentina— dêem-se estímulos compensatórios às exportações.
Quanto às formas de conter o crescimento da demanda, é melhor inibir o consumo por meio da política tributária —que ajuda no equilíbrio das contas públicas— do que com juros altos —que são a principal causa do déficit orçamentário. Juros, ademais, constituem uma transferência de renda concentradora, ao passo que a tributação progressiva do consumo supérfluo e da renda pode ajudar modestamente a reduzir as disparidades brasileiras.

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