São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 1995
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Record inventa estilo religioso de fazer TV

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os japoneses perceberam como ninguém o potencial místico dos meios de comunicação eletrônica. Produzem uma estética onde aventura e tradicionais espíritos da natureza convivem em um espaço cósmico de efeitos especiais.
A linha adotada pela Rede Record é outra. Ao lado de programação leiga, a emissora introduz um estilo religioso de fazer televisão. Programas como o "25ª Hora" e "Palavra de Vida" preenchem as madrugadas com debates, sermões e exorcismos saturados de mensagens divinas e agressividade diabólica.
O "25ª Hora" apresenta a faceta liberal e prestadora de serviços da emissora. Diariamente se dedica a discutir temas de interesse público —com especial preferência para assuntos politicamente corretos. Entre seus convidados, além de outros pastores, encontramos profissionais reconhecidos em suas áreas de atuação, protestantes, católicos ou judeus. A bandeira brasileira disposta na mesa do apresentador salienta o intuito cívico do programa e nada tem a ver com a experimentação espiritual que se segue.
Quando a madrugada avança, a pregação toma conta da programação durante as horas seguidas do programa "Palavra de Vida". Aqui a faceta sectária da Igreja Universal se expressa com força assustadora.
O pastor dirige a oração inicial aos angustiados, deprimidos e frustrados, procurando convencê-los a buscar a presença de Deus. Como que para dar visibilidade ao espírito da fé, sua oração é ilustrada pela sobreposição simples de imagens mudas de campos vazios, cachoeiras e um curioso copo de água. A intenção de placidez das imagens vem contrabalançar os depoimentos contundentes que se seguem.
O recurso televisivo é posto a serviço de uma paradoxal tentativa de demonstrar visualmente e propagar o potencial de liberação espiritual da Igreja Universal. O olhar firme do pastor parece desejar escrutinar a alma do telespectador. E se ele perdeu o sono, provavelmente não dormirá essa noite.
Um close impressionante de um olho aberto pontua a sequência ilustrativa dos dez sintomas de possessão. "Se você é nervoso, tem dores de cabeça, insônia, medo, desmaios, doenças que os médicos não curam, pensou em suicídio, tem visões, é viciado e deprimido, pare de sofrer."
O telefone, anteriormente ocupado com consultas sobre o preço do aluguel, serve agora às confissões de quem quer confidenciar seus dramas e se arrepender de ter procurado conforto na umbanda, no candomblé ou no espiritismo. Essas religiões são repetidamente acusadas de acolherem o demônio.
No discurso exclusivista da Igreja Universal, a luta contra o mal se confunde com a luta contra as religiões afrobrasileiras e contra o homossexualismo. Aqui o discurso politicamente correto do programa anterior se desfaz com brutalidade. Os relatos constituem verdadeiros roteiros de experiências subjetivas onde o olhar se esforça para apreender o espírito.
Preenchendo a madrugada com relatos dramáticos, a Igreja Universal pode estar contribuindo para semear o medo em vez de de aliviar tensões.

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