São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 1995
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Muçulmano dos EUA teme imagem de terrorista

DANIELA ROCHA
DE NOVA YORK

A comunidade muçulmana de Nova York está intranquila, apesar da comemoração do Ramadã (mês de jejum e oração pela paz). O motivo é o julgamento de muçulmanos fundamentalistas na Corte de Nova York, suspeitos de iniciarem o terrorismo urbano em Nova York, no atentado ao World Trade Center, há dois anos.
Com grande concentração no bairro do Brooklyn (veja mapa nesta página), onde também há comunidades de hispânicos, negros e judeus ortodoxos, as associações de muçulmanos tentam pregar a não violência entre os diversos grupos étnicos e buscam desvincular a religião dos atentados.
"A imagem dos muçulmanos neste país é errada. Cada vez que a mídia publica 'julgamento de muçulmanos', todos os fiéis são prejudicados, quando a grande maioria nada tem em comum com grupos violentos", afirmou Rabia Terri Harris, do grupo Muslim Peace Fellowship (Associação de Paz Muçulmana).
Harris afirmou que existe uma idéia nos EUA de que os cristãos são bons e os muçulmanos são maus. "Há um forte preconceito contra o povo muçulmano, de gente que nem conhece a religião."
Segundo dados do Islamic Circle of North America (Círculo Islâmico da América do Norte), existem cerca de 300 mil muçulmanos em Nova York. Para o diretor de comunicação do Círculo, Shaik Ubaid, quando se diz que o Islã foi colocado em julgamento, toda a comunidade é prejudicada por passar a ser suspeita de cometer violência.
Segundo Harris, existem alguns muçulmanos ligados ao Hamas (grupo radical muçulmano) em Nova York. "Existe uma quebra na comunidade, por diferentes motivações. Acho que o desespero gerado por dificuldades pode acarretar reações violentas, mas muitos integrantes desse tipo de grupo são dissidentes políticos, que não deveriam ser identificados pela sua religião", disse.
A região de Atlantic Avenue, no Brooklyn, é onde existe parte da comunidade muçulmana. Em mesquitas (templos muçulmanos), os fiéis realizam rezas diárias para celebrar o Ramadã.
Na fachada de todos os estabelecimentos comerciais da região, letreiros em árabe e inglês indicam a concentração de muçulmanos em diferentes áreas de comércio e serviço: de barbearias a supermercados e agências de turismo.
Hakim Diner, 29, muçulmano da Argélia que chegou nos EUA há dois anos, trabalha como vendedor no mercado Sahadi's. Para Diner, o islamismo é a religião da paz e o fundamentalismo é justificável porque a comunidade muçulmana vive sob pressão. "Acho que a violência às vezes é cometida por muçulmanos em decorrência dessa pressão."
Sobre o julgamento, nem Diner nem Ziane Bedia, 31, que também trabalha no Sahadi's, comentam. "Não posso falar disso", disse Bedia, que reza diariamente cinco vezes voltado para Meca.
Segundo Bedia, as diferentes comunidades do Brooklyn não se misturam. "Nunca cruzo com judeus porque moro em uma área que tem apenas muçulmanos, italianos e hispânicos." Ele disse que mesmo estando próximo a outras comunidades, prefere não ter contato com elas.
"Gosto da comunidade de italianos porque não causam problemas como os hispânicos, que bebem muito. Mas meus amigos são muçulmanos, apesar de eu respeitar todas as religiões."
Localizado a uma quadra da Atlantic Avenue, próximo à Court Street fica o Institute of Islam of the Islamic Mission of America for Propagation of Islam (Instituto do Islã da Missão Islâmica da América para Propagação do Islamismo). Ali, a recepção à reportagem da Folha foi hostil.
"Temos que ser muito cuidadosos com a imprensa porque ela tem interesses em deturpar a imagem do islamismo", afirmou um dos responsáveis pelo templo, que impediu a visita da reportagem e de tirar fotos no local.
Na rua, muçulmanos que percebiam a presença do fotógrafo reclamavam: "Este templo é propriedade privada, você não pode tirar fotos."
Na Associação Nacional dos Imigrantes do Iêmem, no mesmo bairro, a desconfiança é a mesma. Um dos visitantes da associação disse, após ser questionado sobre o julgamento: "Você não pode falar comigo." Questionado sobre a razão, ele respondeu: "Porque não pode, não quero falar com você".

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