São Paulo, terça-feira, 21 de fevereiro de 1995
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O barato sai caro

Vencer é bom, mas torna-se evidente que o Plano Real talvez tenha logrado vitórias demais: a inflação caiu, a moeda valorizou-se, o poder de compra cresceu, os lucros aumentaram em quase todos os setores, um presidente elegeu-se.
Entretanto, diante de tantas proezas, é inevitável reconhecer que o jogo continua e nem todos podem continuar ganhando. Essa é a decisão política central que o governo vem perigosamente adiando. A sabedoria popular ensina que tudo o que é bom dura pouco.
Veja-se a comparação entre preços e salários em sete grandes cidades do mundo publicada pela Folha no último domingo. O Brasil tem os preços mais elevados, com salários quatro vezes menores que os de Nova York, Londres ou Paris.
Como é possível? É simples: a estabilização econômica deu-se com tremenda elevação do crédito ao consumo, os salários já não são corroídos e a taxa de câmbio está artificialmente a favor do real. Ganham os que cobram juros elevadíssimos, ganham também os consumidores cujos salários estáveis estimulam o consumo, ganham os importadores. Nesse ambiente de consumo e endividamento crescentes, mesmo as empresas locais têm espaço para manter margens de lucro superiores às médias internacionais.
Outro ditado popular diz que quem tudo quer tudo perde. O modelo atual é insustentável. Querer ao mesmo tempo crescer, endividar-se, importar mais e estabilizar os preços parece um exemplo evidente de excesso de desejos.
O governo, entretanto, dá poucos sinais de ter acordado para essa realidade essencial da economia. Parece ainda satisfeito com uma abundância de bens e um sucesso na luta contra a inflação cujas bases são frágeis. Corre o risco também de afinal comprovar outra pérola da sabedoria do povo —o barato sai caro. Frente ao resto do mundo, aliás, já está caro demais.

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