São Paulo, terça-feira, 21 de fevereiro de 1995
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O roto e o esfarrapado

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO — É razoável supor que dez entre dez autoridades e estudiosos brasileiros imaginem que a situação da Argentina é bem mais perigosa do que a brasileira, pelo menos no momento.
Os motivos são muitos, mas basta lembrar um, pelo simbolismo que carrega: a Argentina vem registrando déficits comerciais volumosos há algum tempo, uma situação que foi tida como uma das principais responsáveis, se não a principal, pelo colapso do México —aliás, o ponto de partida para as dificuldades hoje enfrentadas pela Argentina.
No Brasil, por mais que tenha havido déficits nos três meses mais recentes, a perspectiva parece ser a de reversão do quadro ou já neste mês de fevereiro ou, na pior das hipóteses, em março, mesmo que se mantenha, como se manterá até lá, a sobrevalorização do real em relação ao dólar.
O curioso é que, do outro lado da fronteira, a visão das autoridades é exatamente a oposta, conforme pôde constatar uma personalidade estrangeira de alto calibre que andou pelos dois países nos últimos dias.
Os funcionários argentinos acreditam —ou, pelo menos, transmitem essa impressão— que quem tem problemas com a paridade cambial é o Brasil e não a Argentina.
Essa avaliação, que parece pouco fundamentada na chamada economia real, talvez ajude a entender por que os argentinos insistem em extrair de seus colegas brasileiros um mecanismo de consulta a respeito do câmbio. De um lado, há uma necessidade óbvia: a sobrevalorização do real foi de enorme ajuda para a Argentina.
Afinal, 25% das exportações argentinas dirigem-se ao mercado brasileiro. A partir do momento em que o real ficou sobrevalorizado, tornou-se mais fácil exportar para o Brasil, o que equivale a dizer que um quarto das exportações argentinas ficaram livres do peso que representa a sobrevalorização da sua própria moeda.
Mas, do outro lado, há esse temor sem aparente fundamento de que o real ceda primeiro do que o peso à nova realidade pós-México. No fundo, parece o roto falando do esfarrapado.

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