São Paulo, quarta-feira, 22 de fevereiro de 1995
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'Brincando...' é apocalipse segundo Babenco

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Brincando nos Campos do Senhor" (1991), de Hector Babenco, um dos preferidos do livreiro Pedro Corrêa do Lago, é um bom exemplo de filme que, mal recebido quando exibido nos cinemas, mereceu uma revisão em vídeo que lhe foi amplamente favorável.
Não apenas o público procurou em peso a fita, garantindo sua permanência por várias semanas nas listas dos mais alugados, como a própria crítica, antes reticente (ou perplexa?), acabou dando o braço a torcer.
A explicação para esse efeito retardado talvez seja esta: o filme trata dos problemas da Amazônia de modo muito mais sensível a sua intrincada complexidade que as usuais produções exóticas e/ou militantes a respeito do tema.
Em vez de encenar os conflitos amazônicos como um simples bangue-bangue entre bons selvagens e maus civilizados, ou entre ecologistas puros e exploradores canalhas, Babenco preferiu mostrar de modo mais sutil e matizado a fragilidade do indivíduo frente aos mecanismos da história e aos imperativos do sangue.
Para isso, foi buscar material no extraordinário romance de Peter Matthiessen, que ele adaptou em parceria com o experiente Jean-Claude Carrière.
Em seu painel amazônico, há dois casais de missionários protestantes (Aidan Quinn/Kathy Bates e John Lithgow/Daryl Hannah), um mestiço mercenário contratado para exterminar índios (Tom Berenger), um militar corrupto (José Dumont) e um sem-número de pobres diabos vivendo na corda bamba entre a natureza e a cultura.
Nada está dado para sempre nesse caldeirão de interesses e conflitos —os indivíduos se transformam, ora se chocando com seu destino (caso do casal novato de missionários), ora buscando-o febrilmente (caso do mestiço).
Assustados ou embriagados, todos se movem num território movediço, hostil e ameaçador, fotografado de modo preciso por Lauro Escorel. Não há nada de idílico na Amazônia de Babenco.
Assentada a poeira das críticas apressadas, que só souberam apontar o dedo para o pretenso gigantismo da produção (que teria custado quase US$ 40 milhões) e para a preponderância ianque no elenco, foi possível rever o filme com olhos menos preconceituosos.
O resultado, se não foi uma consagração, foi pelo menos a reparação de uma injustiça. E a descoberta de um grande filme.
Os massacres de índios e as polêmicas amazônicas que aconteceram nos últimos anos só tornaram mais atual o apocalipse de Hector Babenco, que encena um dos mais terríveis genocídios que o cinema já mostrou.
Afinal, complexidades sociais, morais e políticas à parte, todo mundo sabe que, quando os campos do senhor se conflagram, a corda sempre arrebenta do lado mais fraco —o do índio.

Vídeo: Brincando nos Campos do Senhor (At Play in the Fields of the Lord)
Produção: EUA/Brasil, 1991, 187 min.
Direção: Hector Babenco
Elenco: Tom Berenger, John Lithgow, Daryl Hannah, Aidan Quinn, Tom Waits, Kathy Bates, Stenio Garcia
Distribuição: Condor

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