São Paulo, quinta-feira, 23 de fevereiro de 1995
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Rio prepara 'Apocalypse Now' carnavalesco

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Algo me diz, Joãozinho, que o Carnaval já começou. Não foi você que eu vi no último fim-de-semana puxando a Banda do Gueri-Gueri, com aquele sorriso idiota de cervejeiro estampado na cara?
Foi isso mesmo que pensei.
E não foi você, também, que estava jogando aqueles fogos no meio da Bandinha do Candinho? Foi o que pensei também, seu demônio!
Diga-me a verdade, querido amigo, qual é a primeira coisa que vem à sua mente quando alguém sussurra a palavra mágica "Carnaval"? Uma batida de samba? Confete e serpentina? Belas fantasias?
Abra o jogo, Joãozinho! Eu sei muito bem o que você tá pensando. É a mesma coisa que ocupa a cabeça de todos nós aqui em Sambalândia, o ano inteiro.

Sexo
O Velho Doutor Feelgood Dave, inspirado pela ênfase concentrada da atenção que você dirige ao Carnaval, resolveu oferecer alguns pensamentos à-toa sobre o tema fundamental que fez do Brasil a grande nação que é.
Afinal de contas, 147.053.940 bebês brasileiros foram produzidos por 147.053.940 diferentes atos de amor e prazer —concorda comigo, amigão?
A receita nº 1 do Dr. Sinta-se-bem para o Carnaval, Joãozinho, é a seguinte: saia agora mesmo e procure comprar todas as camisinhas que você encontrar pela frente. Já que você vai comprar, procure as camisinhas de qualidade. Não compre aquelas baratas, esburacadas. Afinal, se você as encher de água pra jogar nos pedestres insuspeitos que passarem embaixo de sua janela, elas podem vazar e molhar toda tua fantasia.
A gente não ia querer ver você sambando de fantasia molhada, certo? De repente você poderia pegar uma gripe e adeus alegria.
As pessoas como o Tico Terpins já inventaram outra coisa criativa para se fazer com camisinhas durante o Carnaval. Tico diz que a camisinha (de preferência ainda não usada) dá uma ótima máscara de Carnaval.
Para você se divertir a valer, diz o Tico, basta esticar uma camisinha por cima da cabeça. Você ficará com aquele look chiquérrimo de assaltante de banco, tão em moda em São Paulo este ano.
Tico também avisa que, se você não fizer buracos para nariz e boca, você talvez não esteja por aqui para curtir o Carnaval do ano que vem.
E então, Joãozinho, como a revista "Playboy" gosta de perguntar, qual foi sua melhor transa de Carnaval?
Sei que você é um pouquinho tímido, então o Velho Doutor Sinta-se-Bem Dave vai te contar como eram essas coisas quando ele morava no Rio. Eram assim: havia uma overdose de Jennifers.
Deixei tantos fluidos corporais meus espalhados por Cariocalândia que, francamente, não sei como não fiquei ressecado e o vento não me levou.
Foi a melhor das épocas e a pior das épocas. Quando cheguei ao Rio pela primeira vez, eu era jovem e bonitinho. Eu estava no meu apogeu, ou pelo menos era o que parecia. Quando abandonei o Rio e vim para São Paulo, estava apenas alguns poucos anos mais velho, cronologicamente. Médica e emocionalmente, porém, eu estava um trapo.
Quando cheguei no Rio, eu já tinha desistido de registrar minhas conquistas com marquinhas esculpidas no pé da cama. Eu já não era o garanhão de antigamente. Estava reduzido à condição de homem de uma mulher só.
Mas as mulheres do Rio mudaram tudo isso.
As praias do Rio distorcem a realidade dos homens. São tão supercarregadas de senhoritas solteiras e fatalmente atraentes (leia-se Jennifers) que um gringo fica com a falsa idéia de que é mortalmente irresistível.
As sequelas desta concepção equivocada podem levar aos lençóis amarrotados de um leito numa unidade de terapia intensiva de um hospital local.
Explicando em palavras simples: passei a sair com garotas demais.
Uma delas era Daniela, morena, safada e rápida no bote. Nós dois gritávamos, trocávamos hormônios por testosterona e não dormíamos nunca.
Havia as três amigas —amigas íntimas. As três estudavam no mesmo colégio católico e tinham sido amigas íntimas praticamente desde que nasceram. Eu me encontrava com apenas uma de cada vez, na praia.
Eu me encontrava com elas na praia, uma só de cada vez. Elas me faziam visitas inesperadas, sempre tarde da noite e uma de cada vez. De manhã elas acordavam, olhavam para o relógio, assustadas, e gritavam: "Ai meu Deus, tô atrasada pra aula", e desapareciam.
Meus nervos acabaram entrando em colapso, esgotados pela tensão de ter que decidir se eu saía à noite ou se só ficava esperando, sofrendo, mais um ataque-surpresa à meia-noite. Um dia eu estava pedindo um chope no Zeppelin quando vi as três bruxas da meia-noite sentadas juntas em outra mesa, trocando risadinhas e confidências (como vim saber mais tarde) sobre sua vítima noturna —eu.
Também havia Katie, uma repórter de Nova York que me seguiu até o Rio em busca de um pouco de diversão tropical, longe de seu inverno cheio de neve. Ela surgiu no momento exato para me salvar da destruição total às mãos do triunvirato da noite.
Katie era uma nazista sexual. Eram semanas a fio de: "Por que você não experimenta assim, amor?" ou "Querido, acho que seria tão divertido fazer assim". Havia brincadeiras experimentais de manhã cedo, antes do café. Na hora do almoço, Katie servia criações culinárias originais acompanhadas por alguma novidade sexual de sua própria invenção. Os exercícios do laboratório sexual doméstico prosseguiam no jantar e se prolongavam pela noite carioca.
Um pouco antes de nós dois chegarmos a um estado de colapso físico, Katie e o Velho Doutor Sentir-se-Bem resolveram dar um basta. Continuamos amigos, na melhor tradição de Sambalândia.
Quando Katie voltou à Grande Maçã, eu a levei até o aeroporto. Sua última frase de adeus me soou um tanto quanto irônica.
"Nunca vou esquecer você", disse Katie, dando um sorriso todo doçura. "Você me ensinou tudo que sei sobre sexo", disse ela.
A época do Carnaval no Rio era o apocalipse agora. As Jennifers entravam e saíam de foco, enquanto o Doutor Feelgood de vez em quando recobrava os sentidos e o bom senso.
Quando eu estava mergulhado em cachaça fedorenta, topava com Helena, ou Bárbara, ou Hanna (que era austríaca, mas igualmente devoradora de homens) e lá íamos nós para meu apê em Ipanema.
Eu achava que fedia a cachaça, mas as Jennifers achavam, é claro que eu fedia a sexo.
As mulheres são estranhas. Se você anda pelas ruas da integridade, sóbrio e limpinho, elas não te dão a mínima. Mas se você estava no Rio exalando os feromônios de um gato vadio e promíscuo, mesmo as dondoquinhas mais reprimidas mal podiam esperar para arrancar suas calças.
E assim fui indo. Eu estava profundamente apaixonado —por Daniela, pelas três bruxas, por Katie, Christina, Misty, Peggy e a meia centena de tentações cariocas que entravam e saíam de foco quando eu, de vez em quando, recobrava o que sobrava do que talvez fossem meus sentidos.

Tradução de Clara Allain

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