São Paulo, sábado, 25 de fevereiro de 1995
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Ilê Ayiê veta brancos e reclama de racismo

DANIELA FALCÃO
ENVIADA ESPECIAL A SALVADOR

O bloco afro Ilê Ayiê sai hoje às 21h do Curuzu, na Liberdade, e vai até o Campo Grande (centro de Salvador), onde deve chegar por volta das 24h.
A saída do Ilê deverá ser acompanhada por centenas de pessoas e é o maior destaque do terceiro dia oficial de Carnaval baiano. O bloco comemora em 95 21 anos de fundação e escolheu os 300 anos da morte de Zumbi como tema do desfile.
O Ilê vai sair com 1.500 participantes e 120 percussionistas, todos negros. Como manda a tradição, a participação de brancos no desfile do Ilê é proibida. O rigor é tanto que até mesmo fãs confessos do bloco, como a cantora Daniela Mercury e a atriz Regina Casé, terão que assistir ao desfile do lado de fora das cordas.
"Elas sempre vêm ver a saída do Ilê. Mas não podem vestir a mortalha nem desfilar dentro das cordas", diz Antônio Carlos dos Santos, o Vovô, 42, presidente do Ilê.
Em entrevista exclusiva à Folha, Vovô reclamou da falta de patrocinadores para os blocos afro e disse que Salvador é a cidade mais racista do Brasil.
"O Ilê tem 21 anos, é conhecido em todo o Brasil e no exterior, mas tem que mendigar um patrocínio. Já os blocos de trio conseguem ajuda de todos os lados, mesmo quando estão começando, só porque são blocos de gente branca."
No Carnaval deste ano, o Ilê só conseguiu dois patrocinadores (o governo do Estado e a Brahma). "A verba que conseguimos foi tão pequena perto do que eles dão para os blocos de trio que não considero um patrocínio. Foi uma ajudazinha de custo."
O presidente do Ilê afirmou que a maioria dos blocos afro está enfrentando problemas financeiros graves e que muitos não conseguiram nem armar o desfile deste ano.
"Fora os blocos que ficaram famosos só existem mais três ou quatro que estão bem. O resto está na pior."
Apesar da dificuldade em arranjar patrocínio, Vovô criticou os blocos afro que mudam suas características para se tornarem mais populares.
"Não vou colocar guitarras nem teclados no Ilê só para tocar mais nas rádios. O Ilê não é uma banda, nós somos uma entidade negra que tem uma banda, o que é muito diferente. Sempre fomos assim e não vamos mudar só para ganhar disco de ouro."
O Ilê não grava um disco desde 1989. Segundo Vovô, as gravadoras dizem que o bloco não tem apelo comercial.
"Isso é engraçado. Eles dizem que o público não gosta da nossa música, que a batida é igual, mas gravam outros artistas cantando composições nossas e fazem o maior sucesso."
Vovô reclama do racismo da capital baiana. "Aqui quem manda é o grupinho de brancos, apesar de a maioria da população ser negra. Os estrangeiros que vêm ver o Carnaval de Salvador, e lotam aeroportos e hotéis, vêm atrás da magia dos blocos afro, de negros, mas quem ganha o dinheiro dos patrocinadores são os trios de brancos."
Para o presidente do Ilê, o negro é o maior culpado pela permanência do racismo na Bahia.
"O negão daqui é muito acomodado e ainda gosta de bater continência para o branco. Nós ainda não aprendemos a ter gosto pelo poder e para mudar as coisas precisamos de poder. O branco não vai desistir por vontade própria de sua posição de supremacia."

Atraso
A marca registrada do segundo dia oficial do Carnaval em Salvador foi o atraso. No Campo Grande (centro), o desfile começou quase quatro horas mais tarde que o previsto. Na Barra (orla marítima) o atraso foi menor: duas horas.
O primeiro bloco alternativo a desfilar no circuito Barra-Ondina foi o Nana Banana, comandado pelo Chiclete com Banana. Previsto para começar às 16h, o desfile do Chiclete só teve início por volta das 18h.
O Nana foi o bloco que atraiu mais gente desde o início do Carnaval em Salvador, na quarta-feira.
Apesar das ruas da Barra estarem lotadas, houve poucas brigas ao longo do percurso.
Atrás do Nana, veio o Inter Alternativo, puxado por Daniela Mercury e o Melomania, comandado pela Banda Mel.
Os blocos alternativos desfilam com bandas já consagradas e outras que ainda não são conhecidas fora do Nordeste. A diferença dos blocos alternativos para os tradicionais é que os alternativos desfilam de quarta a sábado e os tradicionais de domingo a terça.
Outra diferença é que a maioria dos alternativos desfilam no circuito Barra-Ondina (orla), enquanto os tradicionais preferem o Campo Grande.
Ontem, ainda no circuito da Orla, estavam previstas as apresentações da Timbalada (com participação de Marisa Monte), Simone Moreno e outros 16 trios.

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