São Paulo, segunda-feira, 27 de fevereiro de 1995
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Os ralos por onde foge o lucro do seguro

O que o mercado segurador conseguiu merece ser preservado

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Uma seguradora tem duas grandes entradas de dinheiro: a venda de seguros e a renda de suas aplicações financeiras. A primeira entrada, ou seja, o faturamento com a venda de suas apólices, deve pagar a existência e o funcionamento da empresa, enquanto a segunda, representada pelo resultado de seus investimentos, deve permitir o seu crescimento e a remuneração do capital dos acionistas.
Ao longo dos últimos anos, por distorções consequentes do processo inflacionário brasileiro, esta regra básica foi esquecida por grande parte das companhias de seguros operando no país, que não hesitaram em misturar suas receitas, acabando por desviar dinheiro dos acionistas para subsidiar a contratação de seguros deficitários.
A origem deste processo foi a rápida liberação de um mercado que por quase 90 anos andou amarrado, rigidamente controlado por tarifas únicas e por um órgão ressegurador monopolista, que não permitiam a livre concorrência, protegendo o setor, que, diga-se de passagem, era composto por um grupo reduzido de seguradoras fortes, o que permitia que a sua regulamentação fosse quase que uma ação entre amigos, que terminava por salvar todo o mundo, às custas dos segurados.
O primeiro grande impacto foi a entrada dos bancos, que, por virem de um mercado mais competitivo, exigiram que suas companhias atuassem de forma mais eficiente, maximizando lucros e otimizando os seus investimentos. O resultado desta postura é que hoje as seguradoras ligadas a conglomerados financeiros representam mais ou menos 60% do faturamento e mais de 90% do lucro da atividade seguradora nacional.
O segundo foi a postura da Susep ao longo do governo Sarney, que desregulamentou as carteiras de vida e automóveis e permitiu a concessão de descontos comerciais na carteira de incêndio. O resultado foi uma concorrência que começou mais ou menos civilizada, para descambar para o mais descarado "dumping", feito sem muito critério por boa parte das companhias e que acabou gerando enormes prejuízos industriais, que se prolongaram por vários anos. Esses prejuízos foram a custo contidos no final de 1994, graças ao desempenho da economia brasileira no segundo semestre e ao fortíssimo reajuste de preços, especialmente na carteira de automóveis, onde algumas empresas chegaram a dobrar o custo de suas apólices.
O quadro médio das seguradoras brasileiras hoje apresenta o seguinte aspecto: faturamento em alta, sinistros estabilizados, mais pela elevação de preços do que pelo combate efetivo às causas da sinistralidade, despesas administrativas fora dos parâmetros internacionais e despesas comerciais também muito acima das verificadas nos países onde o seguro já atingiu um grau maior de desenvolvimento.
No final do ano passado, a atividade seguradora brasileira alcançou uma marca histórica, quebrando a eterna barreira dos 1% do PIB e fechando o ano com um faturamento próximo dos US$ 8 bilhões, mais de 40% acima do seu faturamento em 1993.
Como eu ouvi de um dos principais executivos do setor, numa conversa há poucos dias atrás: "Sempre que as coisas ficam boas, alguém acha que pode abaixar os preços, e aí começa tudo de novo. Vamos torcer para desta vez as pessoas terem juízo e preservarem o que já conseguiram".
E o que o mercado segurador conseguiu foi muito e merece ser preservado, principalmente se lembrarmos que os números do primeiro semestre do ano passado apontavam para um prejuízo operacional médio de 12% sobre o faturamento, que não teria como ser coberto pelos ganhos financeiros. Com os resultados do segundo semestre, estes riscos estão afastados, embora o quadro global não tenha sofrido alterações significativas em sua estrutura. E é aí que mora o perigo.
As seguradoras brasileiras não podem mais transferir dinheiro dos acionistas para financiar seguros mal dimensionados. Daqui para a frente, elas devem operar com resultado industrial positivo, inclusive porque as que não crescerem ficarão alijadas dos próximos passos do setor, que envolvem a privatização de parte da seguridade social, nas áreas de saúde e previdência complementar.
Para se medir o desempenho industrial de uma seguradora existe um indicador, chamado índice combinado, que não é mais do que a soma das despesas com sinistros, administrativas e comerciais, subtraída do faturamento. Esta conta deve dar zero ou menos que zero, permitindo que a seguradora ganhe dinheiro com o seu próprio negócio. As despesas médias com sinistros estão em patamares equilibrados para os parâmetros mundiais, apesar de este equilíbrio ter sido alcançado pela elevação dos preços dos seguros e não por um combate eficiente às causas da sinistralidade.
O problema é que as despesas administrativas e as despesas comerciais estão muito acima do que o resto do mundo considera tolerável, e o resultado é o seguro brasileiro acabar custando caro, o que impossibilita que grande parte do público consumidor tenha acesso às apólices.
Várias companhias vêm investindo em programas modernos de administração, com resultados positivos, que apontam para uma diminuição do seu peso no custo final dos seguros. Todavia, o setor ainda precisa se conscientizar de que, sem medidas enérgicas de contenção das despesas administrativas, com investimentos em automação e treinamento de pessoal, dificilmente o quadro se alterará, tirando competitividade de quem não estiver preparado, especialmente num mercado aberto e sem o monopólio do resseguro como equiparador de incompetências.
Por outro lado, os canais de distribuição das apólices, hoje centrados nos corretores de seguros e nas agências bancárias, vêm se mostrando insuficientes para as reais necessidades da atividade, que se ressente de uma maior agressividade nesta área. Enquanto o mundo inteiro caminha para a mais absoluta liberdade na comercialização das apólices, evidentemente que balizada pelas autoridades de cada país e pelos diferentes tipos de comercialização, sempre privilegiando o segurado, aqui se insiste em soluções hipócritas, ao invés de soluções profissionais.
Ou o mercado ataca o problema de frente, criando os parâmetros para a comercialização direta, para a figura do agente e repensando o papel do corretor, ou não há como quebrar a atual baixa capacidade de venda de seguros. E vendas baixas somadas a custos altos querem dizer, num mercado competitivo, ficar de fora em pouco tempo.

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