São Paulo, segunda-feira, 27 de fevereiro de 1995
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Bergman faz seleção de filmes preferidos

Woody Allen escreve introdução à lista

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Espremido entre festivais mais mediáticos como Roterdã, Clermont-Ferrand e Berlim, o 28º Festival de Cinema de Goteborg (Suécia) respondeu como poucos ao desafio de homenagear o centenário do cinema. O principal evento fílmico sueco convenceu o maior cineasta nacional e, morto Fellini, o herdeiro também do trono europeu, a ser o curador de um ciclo de filmes.
O resultado está no catálogo "A Lista de Bergman", que acompanhou a mostra entre os últimos dias 3 e 12.
Ingmar Bergman, 76, cravou 11 títulos como seus preferidos. Dos cem anos sua seleção abraça apenas 60 (1921-1981).
O presidente da Academia Européia de Cinema não deixou por menos e todos os escolhidos são dirigidos por cineastas europeus, à exceção de "Rashomon" (1951) de Akira Kurosawa. Chaplin e Billy Wilder assinam as únicas produções americanas: "O Circo" (1928) e "O Crepúsculo dos Deuses" (1950). Nenhum cineasta americano foi lembrado.
Curiosamente, é um deles que apresenta o ciclo: Woody Allen, claro. Lembrando sem citar Harold Bloom e sua teoria da influência, Allen desenvolve na breve introdução algumas idéias sobre a cascata de modelos do cineasta. "Quando vejo um filme meu agora, posso ver muitas influências, de filmes de Hollywood que cresci vendo, comédias e dramas. Mais tarde veio o cinema europeu".
Na verdade, Allen autoexamina-se na busca do Bergman diluído entre os títulos pinçados —dos quais, apressa-se a reconhecer, não viu vários (a mim faltaria conhecer três).
Ao fim do texto, o diretor dos bergmanianos "Interiores" e "Neblinas e Sombras" aponta uma omissão importante: Fritz Lang, o mestre expressionista alemão, cuja influência em Bergman transpira por todos os poros do soberbo "O Sétimo Selo" (1956). É o único acerto da equivocada chave de interpretação usada por Allen.
A lista de Bergman ilumina mais suas preferências temáticas como cinéfilo de berço do que os padrões fílmicos que modelaram sua obra. Nesta última categoria poderíamos citar apenas três dos escolhidos. "A Carruagem Fantasma" (1921), melodrama sobre a relação entre um ébrio e uma suicida, dirigido pelo sueco Victor Sjõstrom, foi um dos filmes da adolescência de Bergman e um parâmetro para suas futuras tragédias familiares. O impacto de "A Paixão de Joana D'Arc" (1920), de Carl Dreyer, evidencia-se pela obsessão bergmaniana pela máscara facial feminina, que atinge o ápice em "Persona" (1966) e "Face a Face" (1975). Por fim, "Cais das Sombras" (1938), de Marcel Carné, representa o realismo poético francês a que tanto devem o ritmo e a atmosfera onírica da obra de Bergman.
Nos oito demais títulos, a questão da influência cede lugar à da coincidência. A preocupação bergmaniana com a condição existencial do artista, muito presente em sua obra ("O Rosto", "Noites de Circo", "Depois do Ensaio"), é central em cinco filmes. São os citados "O Circo" e "Crepúsculo dos Deuses", mais "A Estrada" (1954), de Fellini, "Andrej Rublev" (1968), de Tarkovski, e "O Maestro" (1979), de Wajda.
Já nos dois últimos títulos é o olhar do exegeta da alma feminina que ressurge com toda a força. O diretor de "O Bairro do Corvo" (1963), Bo Widerberg, é dos raros realizadores suecos cuja carreira Bergman destaca em suas memórias ("Lanternas Mágicas", Guanabara, 1988). E "Duas Irmãs Alemãs" (1981), da hoje decadente Margarethe von Trotta, é um poderoso confronto de mulheres visto em matizes por uma cineasta.
A lista de Bergman bem que poderia chamar-se "Através de um Espelho".

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