São Paulo, segunda-feira, 27 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Quatro por Quatro' supera fragilidade

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Diante das crises que assolaram a produção das novelas da Globo —"Irmãos Coragem" e "Pátria Minha"—, "Quatro por Quatro" tem se sobressaído na imprensa e no Ibope.
Mas não é meramente a crise das outras que faz o sucesso da novela das sete. Contrariando minha própria avaliação por ocasião da estréia, "Quatro por Quatro" superou a fragilidade da primeira semana, ao brincar com a previsibilidade das situações e diálogos melodramáticos.
O deslocamento de falas típicas de certos personagens para a boca de outros, ou a explicitação descarada de sentimentos ou caráteres essencialmente ocultos no melodrama clássico, trazem especificidade a "Quatro por Quatro".
Gustavo (Marcos Paulo), Bruno (Humberto Martins) e Ângela (Tatyanne Goulart) formam um triângulo amoroso em que se disputa não o amor da mulher amada, mas a guarda da filha. A menina de boné e gordurinhas infantis ouve dos personagens masculinos frases românticas como a cobrança clássica do cônjuge enciumado: "Você decidiu ficar lá em casa. Me convenceu a vir à praia. Pra que hein? Pra ficar falando dele?"
A pequena personagem reage com seriedade adulta. Embora seja uma criança, Ângela talvez encarne a personagem mais adulta de uma estória que tem nas gags românticas de personagens dedicadas a inventar travessuras amorosas, sua força propulsora.
Se a criança se comporta de maneira madura, os adultos se comportam de maneira maliciosamente infantil. No rol das peças pregadas por personagens que expressam seus sentimentos frustrados, merece destaque a interpretação hilariante de Beth Lago (Bibi) no papel da italiana irmã do marido, que chega para infernizar a vida da jovem dondoca recém-casada.
Ao desmascarar a vida fútil da lambisgóia que roubou o marido da amiga, Bibi realiza o sonho de qualquer membro do clube das Luluzinhas. Demonstra também a inutilidade da vida da moça frágil, que não trabalha, não sabe passar um aspirador de pó e recebe amigas para o chá.
Os diálogos de "Quatro por Quatro" fazem sucesso também porque expressam com a malícia dos comentários indiscretos que as melhores amigas sussuram nos ouvidos umas das outras. Ou as expressões vulgares com que os rapazes se vangloriam de suas conquistas frente ao sexo oposto. Socializam para uma audiência mista comentários sobre a dimensão mais carnal das paixões, em geral mantidos a boca pequena. A nova dimensão é saborosa, mas resvala para a vulgaridade.
Diante da força propulsora do texto, resta às imagens um papel quase didático, meio ilustrador da trama. O desespero do pai desprezado pela filha rainha é retratado pela fantasia de padre franciscano à qual ele recorre para se infiltrar no colégio da menina, e poder observá-la de longe.
Uma edição ágil, de enquadramentos pouco inovadores é concluída a cada capítulo com uma sequência sintetizadora que amarra quatro ganchos a serem resolvidos no capítulo seguinte. Embora ainda resvale para o vulgar, essa linguagem tem produzido uma comédia leve e provocante.

Texto Anterior: Festival de Inverno terá músicos do Leste
Próximo Texto: Donner acelera aventura
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.