São Paulo, quarta-feira, 1 de março de 1995
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O anacronismo do BNDES

LUÍS NASSIF

O grande "aggiornamento" cultural brasileiro está quase completo. Quase. Já são hegemônicos os princípios federalistas e municipalistas, a privatização com regulação e sem queima de patrimônio público, a abertura da economia, o primado da produtividade e da competitividade sobre o protecionismo, a noção do controle social sobre a estrutura política e a concepção de Estado como agente regulador e fiscalizador, abrindo mão da operação.
Mas ainda falta ao presidente da República e a sua equipe maior familiaridade com um dos principais instrumentos de capitalização das empresas e de democratização do capital: o mercado de capitais.
Historicamente, dois pontos amarraram o deslanche econômico no país. De um lado, o excesso de regulação, dificultando a criação de novas empresas. De outro, a manutenção das empresas como feudos familiares, aumentando substancialmente os índices de mortalidade.

Esperança e ameaça
Na primeira etapa da vida de uma empresa, o empreendedor tem papel fundamental, com sua visão estratégica e sua capacidade de organizar recursos. Depois, em geral, o controlador passa a ser uma ameaça à sobrevivência da própria empresa, por várias razões.
Passada a fase heróica —de acumulação— há uma tendência natural do empreendedor em acomodar-se e usufruir dos recursos que acumulou. Ou então em perpetuar a gestão autocrática sobre estruturas que já se tornaram complexas demais. Ou ainda em transformar seu poder econômico em poder político e passar a dirigir todas suas energias a conseguir favores do Estado. Sem contar os problemas mais óbvios das crises de sucessão.
A cultura americana colocou as empresas acima dos controladores. Atingido determinado patamar, se pretender captar recursos do público, deixa de ser empresa de dono e passa a ser empresa pública de capital aberto. Se o fundador não consegue dar seguimento à sua obra, os demais acionistas providenciam sua substituição por administradores profissionais.

Guarda-chuva
No Brasil, nos anos 50, o BNDES teve papel fundamental para criar o moderno capitalismo brasileiro. Com o tempo, seu papel foi esmorecendo, e serviu apenas para dar sobrevida a grupos empresariais anacrônicos, ou perpetuar o controle familiar sobre empresas.
Nos anos 80, as operações-hospital do banco financiaram a ineficiência e atrasaram em mais de uma década o ajuste dos grandes grupos nacionais —isso para um país carente de recursos.
Só nos anos 90, com a abertura da economia e o fim do paternalismo, houve a grande reforma nas empresas. Mas ainda hoje —como no caso do empréstimo à Varig— o guarda-chuva do banco serve apenas para postergar ajustes.
No entanto, parece claro a intenção da equipe econômica em perpetuar esse modelo, sob influência de uma certa ideologia industrial paulista que gerou grandes empresas, mas não se renovou.
A manutenção desses recursos sob controle do BNDES —e não em mãos de fundos geridos descentralizadamente e sob fiscalização de empresários e trabalhadores— colide com os princípios básicos defendidos pelo presidente —de descentralização, de criação de ambientes competitivos, de fim do paternalismo etc..
O BNDES tem que atuar como banco de projetos e de gestão de recursos de agências multilaterais.
Seria conveniente que, como intelectual e observador da realidade, o presidente pudesse se informar melhor sobre o tema.

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