São Paulo, quarta-feira, 1 de março de 1995
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Hughes ataca pobreza do fim do milênio

JAVIER MARTÍNEZ DE PISÓN
DO "EL PAÍS"

Robert Hughes é considerado o crítico de arte mais controvertido dos Estados Unidos, mas na realidade não é mais do que o mais sincero, o mais lúcido. Uma das suas características mais marcantes é a capacidade de desmistificar os ícones mais queridos e mais supervalorizados do panteão artístico norte-americano em livros como "A Cultura da Reclamação" ou "Nothing Is Not Critical", utilizando uma linguagem clara e inteligente, o que é, infelizmente, pouco frequente entre os críticos, tão dados ao obscurantismo dialético.
Sua interpretação da arte em contextos sociais mais amplos revela o profundo conhecimento que possui do mundo artístico e político dos Estados Unidos.
O fato de ser australiano lhe confere a distância necessária para ver com clareza o que muitos americanos não conseguem ver, ofuscados pelo brilho falso desse grande bazar da informação que são hoje em dia os EUA. Esta informação, ou melhor esta desinformação, é produzida em grande quantidade e sem trégua por promotores, agentes, empresas de relações públicas e meios de comunicações, que saturam todos os meios a seu alcance, quase sempre com fins estritamente comerciais.
Pergunta - Como o senhor vê o panorama da arte atual nos Estados Unidos?
Resposta - Creio que este não é um ano muito interessante para a arte norte-americana, que se tornou tediosa, estática e que está supervalorizada e é objeto de contínuas apologias. Não acredito que neste momento esteja sendo feita arte interessante nos EUA, pelo menos segundo o meu ponto de vista.
Pergunta - O sr. acredita que os movimentos artísticos de vanguarda estão mortos?
Resposta - Não acredito que a arte norte-americana esteja morta e sim que sofreu uma tentativa frustada de suicídio, que se estrangulou mediante uma combinação de ressentimento sexual, ideologias baratas, insuficiente estudo técnico por parte dos artistas e, sobretudo, por essa crença tão difundida como incrível hoje em dia de que se alguém tem uma queixa sobre algo, isto constitui uma declaração estética.
Pergunta - Que mudanças vê no panorama artístico desde 1993, quando escreveu "A Cultura da Reclamação"?
Resposta - Não muitos, exceto na mentira subjacente no debate entre o que é politicamente correto para a esquerda e o que é patrioticamente correto para a direita, que se exarcebou muito. E a aceitação do que eu chamo de "arte das vítimas", que se converteu em uma espécie de forma oficial de arte nas galerias norte-americanas, universidades etc.
Creio que isto teve um efeito extraordinário na morte do discurso artístico e que a oposição a este movimento é igualmente cega. O que se pode dizer quando há que escolher, de um lado, um artista que lacera seu corpo e por outro, as bobagens de idiotas como Jesse Helms no Congresso? Por isso estou agora na Austrália.
Pergunta - O sr. acredita que a perda de influência de Nova York, como centro artístico, muda esse tipo de relação colonial entre metrópole e províncias que exclui estas últimas da representação artística?
Resposta - Creio que a noção de centro contra província está em vias de desaparecer, e que já não é possível dizer que a arte ocidental tem um centro imperial. Nova York continua sendo, sem dúvida, um centro monumental do modernismo e um lugar muito importante como mercado artístico, mas o conceito de que não se podem realizar obras de arte importantes que não estejam vinculadas de alguma maneira a Nova York já está completamente morta.
Pergunta - É então a combinação, por um lado, da comercialização desmedida da arte e, por outro, a das guerras culturais entre a esquerda e a direita as que estão destruindo o panorama artístico norte-americano?
Resposta - Creio que, certamente, o levaram para uma posição bem difícil. O conceito de um movimento multicultural sério é muito interessante porque implica a inclusão de muitas das culturas que formam parte dos EUA, mas lamentavelmente a forma como isso é entendido nos EUA não é uma maneira de entendimento multicultural, e sim de queixa.
E a forma como as instituições de arte norte-americanas interpretam o movimento multicultural está contribuindo para a anemia geral do panorama artístico.
Pergunta - O sr. acredita que as novas galerias virtuais da Internet serão uma extensão da desnaturalização da arte como os slides e outros meios aos que faz referências em seus livros?
Resposta - Não penso que a revolução da informática vá ser nem democrática nem benéfica para as artes plásticas. O ensino de artes nos EUA perdeu todo o contato com a obra utilizando meios como os slides, que representam só parcialmente a obra mas que não tem nem a dimensão nem a escala desta. São uma cópia da imagem.
E suponho que as galerias virtuais ampliarão esta tergiversação da arte. Em um país em que as imagens da televisão passam por realidade, esta tendência é perigosa porque vai fazer com que nossa realidade seja cada vez mais irreal, incluindo a arte.
Quando fui pela primeira vez ao Museu do Prado, fui invadido literalmente por uma grande emoção ao ver obras como "As Meninas" e perceber realmente sua dimensão, seu volume, seu impacto.
Pergunta - O conceito do fim do milênio tão em voga na arte, lhe parece um tema válido agora que ninguém espera como há mil anos o fim do mundo?
Resposta - Bom, por um lado, a metade da população americana está composta de fanáticos religiosos que pensam que Cristo virá pontualmente quando chegarmos ao ano 2000.
Quanto aos artistas, creio que o fim do século representa uma aguda sensação de angústia que eu espero que se acalme com o fim das guerras culturais. Se compararmos este com o fim do século anterior, creio que os artistas atuais não alcançam nem em qualidade nem em quantidade criadores do porte de Cézanne, Monet, Seurat, Van Gogh, Gauguin, Degas, Matisse, Munch ou Rodin.
Apesar de que o futuro encontrará neste final de século artistas respeitáveis, provavelmente não serão tão importantes como os de um século atrás. E os bons parecerão passas no meio de uma massa de mediocridade que constitui a maior parte da arte do final do século 20.

Tradução de CLAUDIA ROSSI

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